@s filh@s d@s Outr@s
A reprodução humana é um lugar importante de reprodução cultural, ou seja, de reprodução/negociação da identidade de uma dada cultura. Apesar de não ser o único lugar desta reprodução, em tempos de grande miscigenação cultural e étnica, assim como em tempos de evolução nas técnicas reprodutivas, a reprodução é um lugar onde se concentram muitas ansiedades das pessoas quanto ao que a cultura do seu país, ou o seu próprio país, serão no futuro. De uma forma mais concreta e correcta, muitas pessoas, com medo das mudanças que isso pode trazer para a identidade da sua cultura, do seu país, dos seus grupos sociais e de si próprios (principalmente) tentam, através de limitações à reprodução, criar obstáculos ao disseminar de novas relações e práticas sociais, sexuais e não sexuais, tentando com isso retardar algo inevitável: que, dentro dos seus próprios grupos sociais, exista uma maior diversidade cultural e relacional do que existe hoje, diversidade essa em que não só novas famílias surgirão, como surgirão igualmente novas formas de parentesco, ou de relações de dependência, não familiares (o que não quer dizer sem crianças).
A tentativa, que se sabe de antemão sairá furada, de tentar limitar a reprodução apenas às famílias e apenas aos heterossexuais, é apenas um exemplo desses medos.
Em nome de sociedades cada vez mais inclusivas, onde seja possível um número cada vez maior e mais diversificado de pessoas, (sobre)viverem efectivamente, de forma digna e com um mínimo de reconhecimento, contribuindo assim para a riqueza de todos, em nome dessas sociedades dizia, a aposta dos Governos deveria ser em políticas que defendam activamente a diversidade, e não em políticas, como as de reprodução e adopção que vamos tendo, que agudizam ainda mais os receios das pessoas quanto ao que será Portugal no futuro, pois agudizam os fantasmas de que @s filh@s de pessoas diferentes de nós serão necessariamente destruidores do melhor na nossa identidade. Essas políticas concentram e deslocam para as crianças ansiedades que nada têm a ver com elas, mas sim com a necessidade de determinados grupos sociais manterem imutáveis os seus privilégios. Privilégios que sabem em erosão irreversível e inexorável, não por causa dessas crianças, suas famílias e parentescos, mas por causa da democratização do acesso às tecnologias reprodutivas, assim como por causa da crescente diversidade, miscigenação e multiculturalidade das sociedades.
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