Regime de propriedade exclusiva
O DN publicou tema de capa este domingo sobre a reconstrução do hímen, ou seja, o "recuperar" da virgindade. Gabriela Moita acentuava, e bem, a ideologia machista de propriedade e exclusividade que está disseminada na sociedade e que leva as mulheres a cederem a estes critérios, referindo que a tendência para os homens considerarem a mulher sua propriedade exclusiva é transversal a todas as classes e atinge até o passado das mulheres.
Penso que esta ideologia é central na forma de estruturação das relações afectivas na nossa sociedade e atinge todos. A luta contra contratos afectivos que pressupõem uma exclusividade de príncipio, e a noção desta exclusividade como propriedade, e desta propriedade como propriedade corporal, sexual, é uma luta fundamental na estruturação de novos contratos afectivos. É a principal razão pela qual sou contra o casamento.
Sim, é verdade que o casamento heterosexual é o rei das ditas infidelidades, por vezes até tacitamente consentidas. Mas continua a exigir no seu contrato inical a exclusividade, continua a produzir um discurso em que essa exclusividade é promovida, e continua a ser mais brando com os homens do que com as mulheres na quebra explícita dessa exclusividade.
Muito diferente é assumir inicialmente que não existe nenhuma exclusividade como príncipio (o que não quer dizer que tenha de existir não exclusividade), sendo esta cláusula válida para tod@s @s parceir@s envolvidos.
Questão polémica é contratar partilhar ou não partilhar, em concreto, situações de não exclusividade com @ parceir@ - já não digo a três ou mais, refiro-me por exemplo a dizer ou não dizer. Penso que, desde que essas relações não interfiram com a importância da relação mais forte, não há necessidade de "contar". Regra geral esses detalhes acabam por magoar, por provocar uma série de pressuposições e constatações totalmente erradas, por gerar drama e conflito emocional injustificado. Penso que apesar de haver uma maior abertura a esta ideologia de não exclusividade, regra geral são poucas as pessoas que estão emocionalmente preparadas para ela.
Por fim, sou uma pessoa muito pragmática, num sentido filosófico e epistemológico também; e penso que não há "verdades" "neutras", todas têm esta ou aquela função, esta ou aquela utilidade. E, no actual estádio de desenvolvimento emocional da maior parte das pessoas, não vejo utilidade positiva suficiente na partilha destas "verdades".
10 Comments:
Mas amar verdadeiramente alguém não quererá também dizer gostar de se dedicar ao amor do seu corpo, do seu desejo?
Sem exclusividade uma relação pode até funcionar muito bem - e um amor, resiste? Como se ama verdadeiramente alguém e se partilha o prazer com outr@? Isso é um "detalhe"? O que é a partilha? Não interferir com a relação "mais forte" é não pôr em causa uma estrutura? E o desejo não é essencial para manter a estrutura?
Por fim, contar ou não contar. A verdade e a mentira. Utilidade positiva? As pessoas só perceberão se são emocionalmente capazes se deram ao outro a possibilidade de o mostrar. E isso só com a verdade se consegue. Porque há estruturas que quando abaladas só com a verdade se endireitam. Dificilmente será verdadeiro o amor sem confiança. Se verdadeiro só poderá ser infeliz!
14:29
A.V.: amores e desejos não são exclusivos; e haverá sempre uns mais fortes do que outros.
Se amo alguém que não está mort@ para as surpresas do mundo, para a vida, é certo que terá outras paixões (de todos os géneros, não só por pessoas) além de mim. E eu vou amar sentir essa vida nela e não vou nunca castrar isso.
E o tempo se encarregará de filtrar as paixões e os amores, de os fazer durar ou não; nós podemos apenas deixar a vida correr, o coração sentir - e cuidar.
Não viver, recusar sentir, recusar ter dúvidas, arriscar, é que é mentir.
Colocar um amor/uma grande paixão em causa por causa da eventual partilha com outr@ de algum prazer físico é infantilidade e o mais puro desperdício (até porque prazeres e partilhas há muitos e ainda está por encerrar a discussão sobre o que cria afinal efectivamente o que importa, a intimidade). Os amores não acabam assim. os amores só acabam quando acabam. E esta é a única verdade realmente útil - o resto, por mais que custe ao nosso orgulho e à nossa vaidade, ao nosso egoísmo, à nossa vontade de poder - são detalhes, sim.
16:58
E prontos:), já viram que sou uma romântica incurável:)
É verdade, com muito orgulho!
17:01
Um post lindo, como comentário: http://gloriafacil.blogspot.com/2006/05/chico-deus.html (duma menina que finalmente tem uma foto mais decente no DN:)
08:34
Minha cara:
a canção do Chico Buarque é muito bonita mas fala de amor. O que não tem nada a ver com a possibilidade que você admite de, amando verdadeiramente alguém, dedicar-se ao "prazer físico" (palavras suas) com outra pessoa. Vivê-lo assim é que é, permita-me, infantilidade. E injusto para com todos. Principalmente se todos não conhecem as "regras" do jogo. O que não tem nada a ver também com admitir a possibilidade, obviamente saudável e muito necessária, de admitir que o outro viva outras paixões, por pessoas ou de outro género.
Ter dúvidas é também muito natural e saudável. Viver o amor é também absolutamente necessário. Mas quando fala de exclusividade não está a falar de amor, está a falar de relações, de contratos. E isso, permita-me uma vez mais, é assassinar qualquer vontade que tenha de ser "romântica".
12:59
A.V.: temos concepções muito diferentes da maior parte das coisas de que falamos, se não mesmo de todas. Seja.
17:26
Talvez eu não seja tão dicotómica quanto você A. V.
Por exemplo: eu acho que os amores verdadeiros não têm de ser só um para serem "verdadeiros"; e do mesmo passo não vejo incompatibilidade entre ter um grande amor (que não distingo duma grande paixão) e ter prazer com outra pessoa, principalmente quando se fala de prazer físico, que pode ser uma coisa bastante irrisória (do ponto de vista do seu valor afectivo).
Quanto ao outro assunto penso que os amores têm contratos implícitos sim, e é necessário renegociá-los por vezes. O amor é uma relação social como qualquer outra e nesse sentido segue regras, leis, etc.
Por fim, basta acreditar que o amor é para sempre para ser romântico - seja lá como for esse amor. Não faço uma oposição romantismo/"infidelidade".
Quanto ao conhecimento de todos os parceiros quanto a estes pressupostos, penso que já deixei claro que ele deve existir.
17:50
Ó Ana, há outro ponto que pode estar a gerar as nossas diferenças e que talvez seja um ponto fundamental/fundacional: é que para mim o amor (e coloque aqui o grau de envolvimento físico que quiser) nunca é culpado.
E isto, para mim, também é romantismo.
[E, apenas por razões de argumento, o prazer também nunca o é (não estou a defender que só o lado espiritual não o é); pode é ser mais ou menos interessante].
Retiremos a culpa da equação, é o que quero dizer, e reconheçamos que não somos de ferro (não somos um ideal de amor), mas sim de carne/desejo - e que nem sempre interpretamos bem os sinais dessa carne/desejo; mas silenciá-l@, nunca @ arriscar, não é solução.
E há ainda outro pressuposto que talvez faça diferença nesta conversa: estou-me a referir a pressupostos de relações longas, longas o suficiente para se quebrar o espelho da paixão e surgir o amor na sua estranheza, longas o suficiente para que @s amantes tenham mudado, crescido, longas o suficiente para que se tenha percebido que aquela paixão vai ser para sempre no matter what.
Nessas longas viagens, se tivermos sorte, nem nós próprios nos possuímos, quanto mais os outros.
19:30
O conhecimento dos pressupostos, diz-me. Da realidade, nem por isso.
Não me parece que pensemos de maneira tão diferente assim. A mim apenas ma faz, digamos, "impressão" que ache compatíveis as ideias de amar alguém vivendo o prazer e o desejo por outro (ocultando o "detalhe"). Embora me pareça também, de facto, que o desejo não deve/não pode ser silenciado. As paixões e as relações longas podem, de facto, sobreviver a "no matter what". Sem ocultar detalhes. Aceitando a evolução do outr@. E sobretudo, quando vividas em "parte iguais". Sem possuir ninguém (nem nós próprios). Então defende uma relação de abertura, em qua cada um viverá o prazer com quem quiser, quando apenas físico, sem se sentir incomodado com o facto. É nesse ponto, de facto, que divergimos. Porque continua a parecer-me incompatível um estado de amor /paixão com a experiência, simultânea, de prazer com outr@. Um estado de paixão/ amor pressupõe a partilha do prazer e da intimidade, "no matter what". É isso que o amor /paixão terá de exclusivo, no sentido em que será, de facto, único. Romântico. Eterno. Nenhum argumento me convencerá do contrário. Como a vida acabará também por não a deixar convencer.
(só mais um detalhe: não me chamo Ana.)
09:04
A.V.: isso também é muito romântico:)
Veremos o que a vida ensinará a uns e outr@s. Estamos cá para isso.
Muitas felicidades para si!
10:38
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