Transfeminismo bi
Aline de Freitas é transexual bi e posta regularmente numa lista lgbt em que participo. Eis aqui um de seus textos que levantou uma polémica interessante:
O mais sensato é perguntar aos homens e às mulheres trans como entendema si mesmxs, e se se consideram como "segmento homo" ou participantes deuma certa "subcultura lesbigay".
Mas provavelmente sequer será possível perguntar porque a grande maioriados homens e das mulheres trans vivem suas vidas anonimamente.Transicionadxs mas procurando esconder seus passados. A grande maioriadas pessoas transexuais que conheço não possuem qualquer referência mesmo sobre movimento GLBT, como teriam sobre "segmento homo"? Isso ficabastante claro para mim em épocas de paradas GLBTs. Há um certo ar deeuforia somente entre as pessoas trans que ainda não se transicionaram.Isso porque a parada representa a possibilidade de expressarem suasidentidades sem medo. Mas para quem se transicionou as coisas adquiremum sentido bastante diferente. Sinto um clima de "parada? e o que que eutenho com isso?". E algumas pessoas vão da mesma forma como vão a umabalada, a um evento qualquer. Eu, como uma mulher trans não tenhoqualquer referência com a parada. A parada (e neste ano, a parada desampa foi bem significativa para mim neste sentido) tem um significadoem relação para mim como uma mulher bi. Foi maravilhoso poder flertargarotas livremente, beijar, nas principais avenidas da cidade. Ninguémsabia que eu era uma mulher trans. Eu era apenas uma mulher, como sou nomeu dia-a-dia. Como uma mulher trans, que vive 24 horas por dia como amulher que de fato sinto e sou, o que a parada poderia significar?
O conceito de "orgulho" (orgulho gay, orgulho lésbico, orgulho LGBT) ébastante complicado quando falamos de homens e mulheres transexuais.Porque o que nos objetiva não é ser apontados como "trans" mas comohomens e mulheres de fato, tal qual nos entendemos e nos expressamos.Por isso o anonimato é tão recorrente e necessário. O ativismo trans temseus riscos, e a questão do anonimato é um deles.
Sinto que estamos passando por uma verdadeira revolução trans nestesúltimos anos. E isso sem dúvida deve-se pela popularização da internet.Até poucos anos os guetos lésbicos-gays eram dos poucos refúgios ondepessoas trans buscavam abrigo. Mas nestes lugares não eram e não sãoreconhecidxs como homens e mulheres tal qual suas identidades mas como"homossexuais". Falta de conhecimento e repressão social serviram eainda servem para que homens e mulheres trans não se transicionem. Ainternet, a difusão do conhecimento abriram as portas para que muitaspessoas trans busquem orientação, apoio. E mais que isso a internetpossibilitou um avanço estrondoso nos estudos de gênero. Estamos bebendoda água do feminismo e produzindo frutos dos mais saborosos. Porquefaltou as nossas próprias perspectivas, nossas próprias visões, nossaspróprias vozes.
Até a alguns anos atrás poucas eram as pessoas trans de visibilidade que eram capazes de expressar-se sobre seus próprios direitos e sobre seupapel na sociedade. Hoje tudo muda. E dada a atual velocidade nodesenvolvimento e na difusão do conhecimento certamente muito mais há demudar.
Agora, enquanto uma mulher bi, ainda assim rejeito a idéia de um"segmento homo". Porque não sou delimitada. Porque não faço parte doconjunto homo. Porque abraço o TODO. Porque sou pela livre orientaçãosexual. Assim como sou pela livre expressão de gênero.
3 Comments:
"produzindo frutos dos mais saborosos" - obrigada Anabela pelo post. Pelo alimento.
Era a esta situação "Porque o que nos objetiva não é ser apontados como "trans" mas comohomens e mulheres de fato, tal qual nos entendemos e nos expressamos.Por isso o anonimato é tão recorrente e necessário. O ativismo trans temseus riscos, e a questão do anonimato é um deles." que me referia á algum tempo atrás.
Talvez a Aline ajude a desenbrulhar-me a cabeça.
Beijocas
13:01
São extremamente interessantes duas das questões abordadas. O "living stealth" (i.e. viver "escondid@", sem uma percepção social da nossa Transexualidade, especialmente quando já se acabou a transição), que leva uma percentagem muito significativa (alias, creio eu, a maioria de nós) para o anonimato, ficando só as pessoas não-stealth para dar a imagem pública da Transexualidade. É claro que a imagem resultante é altamente distorcida.
E a convivência da Transexualidade com a possibilidade de se ser LBG (existem, aliás, muitas pessoas T que também são LGB, mas, como são parte da população "stealth" escapam ao radar e fica-se com a impressão de que todas as pessoas Transexuais são Hetero). A Aline diferencia as duas coisas de uma maneira muito consciente. E é uma pena que a dualidade LGB e T na mesma pessoa seja um assunto tão pouco discutido em Portugal, mas existe um preconceito e ignorância imensos em relação à questão. Sentir-se atracção afectivo-sexual por homens é uma prova de feminilidade, e não se sentir de masculinidade; até os psiquiatras do SNS acham que somos todas Heterosexuais. Faz tudo parte de uma rede imensa de ignorância que temos de ir desfazendo.
O meu muito obrigada à Anabela por não se esquecer da temática TS e TG no seu blog e ir falando (muito) do assunto. É bom termos pessoas "de fora" a preocuparem-se connosco!
00:54
Ah, e tenho de sublinhar que o "de fora" só podia mesmo ficar entre aspas.
00:56
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