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9.18.2005

Homossexualidade, fracturante para quantos?

Eduardo Cintra Torres defendeu em coluna publicada a 18 de Setembro, intitulada “Os belos e o monstro,” que a sociedade portuguesa teria alcançado uma fase de “naturalização” da homossexualidade (as aspas são do próprio Cintra Torres). Esta naturalização consistiria aparentemente (pois que não o explica) em que a “identidade gay” se teria tornado socialmente correcta, ou seja, com muito poucas vozes públicas manifestando-se contra o seu direito a existir em paz (Cintra Torres confunde aqui socialmente correcta com politicamente correcta). Para isso teria contribuído a crescente visibilidade mediática, em diversos tipos de media, de personagens homossexuais.
A par deste politicamente correcto nasceu também, conforme bem analisa, um novo silêncio dos conservadores, que não encontram voz política adequada para dar enquadramento aos seus temores moralizantes. A única voz pública anti-homossexual que se ouve é a de fascistas e fascizantes, como bem realça, não se apercebendo no entanto que estas forças de extrema-direita conquistam voz precisamente neste momento porque têm o apoio dissimulado, em termos de organização partidária e de media, dos tais conservadores que neste momento não sabem como atacar de forma politicamente correcta os homossexuais – porque um ataque politicamente legítimo, no quadro político e científico da contemporaneidade, não é de facto mais possível. Têm então, estes conservadores, que se contentar com a voz dos politicamente incorrectos, anti-democráticos, xenófobos e fascistas. Em conclusão portanto deste primeiro ponto, há um silêncio dos conservadores que é um falso silêncio.
Por outro lado, insinua Cintra Torres que esta nova visibilidade mediática da homossexualidade pode levar a um fenómeno de backlash: ou seja, de tão politicamente silenciadas as pessoas que não concordam com a homossexualidade um dia poderão tornar-se violentas e agir de forma intolerante. Chega mesmo a dar o exemplo, muito desadequado como veremos, do assassínio de Theo van Gogh na Holanda.
Ora, conforme já se viu os conservadores não estão tão silenciados assim. Em segundo lugar, é bem diferente um país onde existe visibilidade mediática da homossexualidade, como começa a existir em Portugal, de um país, como a Holanda, onde existe visibilidade social, quotidiana, da homossexualidade, onde existe o direito a casar e a adoptar crianças há anos, onde, aí sim, em muitas cidades se vive uma total naturalização da homossexualidade, esta sim sem aspas. É que a visibilidade mediática que existe em Portugal é fortemente importada de modelos anglo-saxónicos ligados ao coming-out urbano, ou seja, ao gay, branco e urbano que se assume como gay, modelos esses que nada têm a ver com a geografia homossexual do nosso país, onde noventa por cento dos gays vivem em cidades que pouco têm ainda de dinamismo urbano. Esta visibilidade mediática vai portanto, em Portugal, bastante à frente da visibilidade quotidiana, e isto devido a interesses fortemente comerciais dos media. Daí que, em terceiro lugar, não seja possível afirmar, como faz Cintra Torres, que tenha existido uma radical mudança de atitude na sociedade portuguesa face à homossexualidade. Esta continua tão silenciada e intolerável quanto antes (basta ver como correu o barómetro de homofobia face a manifestações de afecto de um casal gay no centro de Lisboa), à excepção dos direitos políticos. Todos os direitos sociais estão portanto por conquistar. Isto para salientar que a igualdade de direitos políticos não faz confusão à maioria dos cidadãos portugueses, não é uma questão fracturante. A igualdade social sim, mas apenas porque o Estado se tem demitido da sua função pedagógica de promover activamente a diversidade efectiva na sociedade portuguesa, ou seja, não é uma questão fracturante específica dos gays mas sim de todos os que forem diferentes da maioria; e é uma questão que, pelos seus custos sociais, pela violência que gera, deveria preocupar todos. A violência não nasce de se verem gays a mais; nasce de se ver, reconhecer e promover diversidade a menos. Daí que, para finalizar e em quarto lugar, seja apenas alarmismo social e político colocar a eventual hipótese dum backlash, duma reacção exagerada e violenta, por parte daqueles que não concordem com esta visibilidade mediática e estes direitos políticos. Afinal, o sistema está a encontrar as suas válvulas de escape para estes silenciados, poucas e de pouca monta porque afinal não são assim tantos os que se sentem afectados e as questões não são tão fracturantes quanto alguns querem vender. Por outro lado, esta visibilidade e estes direitos políticos, como é bom de ver, são demasiado recentes e incipientes em Portugal para suscitarem tais receios fracturantes. Eles estão apenas no princípio e sugerir que são já demasiado visíveis e fortes é apenas pactuar com (velhos) silêncios e velhas homofobias.

[artigo de opinião proposto ao Público]