Às voltas com o queer...
Não por acaso na sequência de um festival de cinema que se denomina queer, e na sequência de um forte gesto queer das Panteras Rosa, começa-se a discutir um pouco mais o que será isso do queer, e se gays e lésbicas não terão algo a perder com isso.
Em resposta aos dois gostaria de frisar o seguinte:
- o queer não é uma proposta de vida para todos vinda de alguns iluminados - o queer é uma auto-afirmação, uma auto-nomeação, para quem o reclame, e só; é um gesto de resistência e, para muitos, de urgente sobrevivência (no sentido em que, se não forem queer, não sobreviverão)
- o queer não é um mero lugar de exclusão, ou de cruzamento de exclusões/identidades; é um lugar que reclamam aqueles que, nos cruzamentos identitários e de exclusões que vivem (nomeadamente resultantes do heterosexismo, do racismo/colonialismo/etnocentrismo e do classismo), se sentem estranhos e se afirmam diferentes, e vão visibilizando subtil e pontualmente essa diferença, face aos menus identitários disponíveis, em relação aos quais permanecem em fuga e pelos quais não são apropriáveis
- por tudo isto, dificilmente o queer é um gesto individual (o indivíduo sozinho não tem recursos emocionais e institucionais para ele) e visibiliza-se como gesto grupal
Daí que não sejam efectivamente queer os gays que à noite se deitam e não sentem necessidade de ser diferentes da identidade homossexual dominante (e as referências do Miguel a fronteiras e limitações eróticas são um dos pontos delicados, mas na minha perspectiva também balanceáveis por experiências queer - basta estarmos mentalmente disponíveis), e não seja queer a mulher pobre e familiarmente explorada do filme de ontem.
Quanto a problemas que uma agenda mais queer pode trazer aos homossexuais portugueses, penso o seguinte: os movimentos homossexuais mais tradicionais, mais não queer, separar-se-ão ideologicamente dos queer, e haverá espaço de luta e resistência para ambos (veja-se o caso espanhol, que não está avançado somente nos casamentos como tem movimentos queer interessantíssimos). Já quanto ao festival de cinema, penso que é efectivamente uma pena perder-se um espaço de visibilidade lgbti, principalmente se o queer atirar ao lado (é preciso ver que cinema queer também é um gesto de afirmação, de resistência, de autonomia artística; não é coisa que exista para aí ao virar de todas as esquinas...). Talvez fosse mais ponderado, de momento, manter o festival de cinema gay e lésbico e fazer crescer uma secção queer.
2 Comments:
Não acho que se perca nada ao adoptar o queer. Acho que as pessoas não estão informadas, simplesmente. As nomenclaturas não são inocentes e às vezes usam-se de modo indiscriminado. De resto, concordo em todos os teus pontos.
12:46
Considero a mudança positiva. Quanto os teus receios, Anabela, basta ver toda a programação. Aborda todo o universo LGBT e talvez um pouco mais ainda. Por isso não me parece que perca alguma coisa, mas sim, que ganhe alguma coisa. Compreendo a mudança, e parece-me ambiciosa de um ponto de vista artístico. Porque sem essa validade artística não sei se o festival não estagnaria. Concordo com o Paulo em relação à falta de informação (e no jornalismo em concreto).
17:00
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