Um certo deserto pessoano
Ontem fui assistir à conferência na SPA com três especialistas, Maria Manuela Parreira, Maria Dim(?) e Ana Freitas. Ora bem, não creio que haja conferências destas todos os dias. No entanto, a sala estava francamente vazia - uma dúzia de pessoas. E o evento tinha sido amplamente divulgado em vários jornais cujo público-alvo coincide com o público deste tipo de iniciativas.
O que se passa então? As especialistas várias vezes referiram a ideia de que há quem defenda que já se conhece o Pessoa que há a conhecer. Ora, isto é incrível. Só os portugueses para terem um autor tão prolífero (e esta característica é uma das mais modestas no meio de toda a sua grandiosidade) e terem a preguiça e o comodismo de considerar que já leram e pensaram tudo o que havia a ler e pensar sobre ele, quando existem cerca de 27 mil documentos no espólio e se sabe hoje que as publicações iniciais póstumas (muitas vezes se esquece que são póstumas e portanto correspondem igualmente a critérios editoriais e de publicação que não são os do autor) apenas publicaram (e infelizmente cristalizaram - texto e Obra) os textos considerados mais fáceis de ler/transcrever.
Por outro lado, há a questão do poder. Existem especialistas alicerçados na tal Obra cristalizada a quem não interessa o trabalho e o reconhecimento do trabalho, de outros que hoje nos trazem mais Pessoa - porque novos estudos ainda vai havendo. Outro detalhe curioso que pode fragilizar estes novos estudos é o facto de muitos serem femininos e terem de lutar contra figuras masculinas académicas muito dominantes na análise literária portuguesa - o que fragiliza a sua recepção (ainda noutro dia li um artigo onde se dizia que, em ciências, as mulheres são menos citadas pelos colegas do que os homens; não me admirava que nas literaturas também fosse assim).
Enfim, sendo eu da Filosofia, envergonho-me também das poucas leituras filosóficas dum autor desta envergadura; e das poucas leituras não literárias, em geral.
Sabem o que vos digo? Ainda vão ser os brasileiros a fazer de Pessoa o autor mundial que merece ser - que já é, mas que podia ser mais ainda, não nos faltasse visão, ambição e trabalho...
2 Comments:
Diz Agostinho da Silva que o homem é vário, plural, magicamente plural, muitos em um à vez e/ou sobrepostos, e que é bom que solte e cultive as suas facetas sem restrições, para ser plenamente humano, humano na sua mais extraordinária riqueza potencial - a criatividade.
Querem melhor exemplo disto do que a pluradidade de pessoas coabitando e exprimindo-se em PESSOA? Pena não ter ele tratado melhor o seu próprio corpo. Falta de tempo, talvez?
E o que é que a educação, da família e do estado, nos têm tentado (e conseguido) fazer há séculos? Precisamente o oposto, o antinatural: reprimir, castrar, imbecilizar, menorizar em suma, estratégias de domesticação comuns aos dois sexos mas com tónica mais pesada para as jovens fêmeas, não é verdade? Pesadíssima então para as fêmeas fora do rebanho normativo, como nós, lésbicas.
Mas, entretanto, que belas ovelhas negras se têm revelado através dos tempos!
Haja paixão e alma, inteligência e sensibilidade qb,temperadas de trabalho sem desfalecimento, que breve, breve, as vidas rolarão diferentemente. Já se vêem tantos sinais!
15:04
Por vezes tento procurar na web coisas sobre escritores e pintores portugueses e digam-me lá onde os vou encontrar?... Onde?... Onde?...
BINGO!!!...
Ai o Brasil... O Brasil... e depois eles é que são do 3º mundo...
20:38
Enviar um comentário
<< Home