Blog duma gaja... bem... esquisita, estranha, tarada:) Enfim... queer!

1.23.2007

Desvio a desvio enche a galinha o papo:)

Continuando o trabalho de divulgação do último livro de Boaventura Sousa Santos vou hoje esquematizar alguns aspectos do primeiro capítulo (o que postei anteriormente referia-se afinal à introdução).
O capítulo trata principalmente de como voltar a dar força de fulguração ao presente – e não a um futuro, sempre adiado (e, no caso do futuro como progresso, em crise). Isso só é possível se o presente não for perspectivado como uma simples repetição (de um passado do qual já nada de novo se poderia trazer). Trata-se portanto de reinventar o passado como recurso indispensável nos momentos de perigo.
A força de fulguração do presente é entendida por Boaventura como a capacidade que determinadas acções de pequena escala têm para introduzir perturbações em escalas muito superiores – o que denomina acções-com-clinamen. Trata-se duma utilização social da metáfora da teoria da borboleta e das catástrofes: ou seja, um pequeno bater de asas da borboleta, num momento suficientemente pregnante (num estado de bifurcação entre dois sistemas instáveis, como pensa Boaventura que nos encontramos), pode modificar completamente as regras de todo o ecossistema, criando assim um ponto de catástrofe.
Neste sentido vai fazer uso de dois novos instrumentos conceptuais para pensar/construir as escalas no pensamento moderno: o pensamento das raízes (pensamento de tudo o que é permanente, profundo, único, etc), como pensamento de grandes escalas (vastos territórios simbólicos e longas durações históricas); e o pensamento das opções (pensamento do que é variável, efémero, possível a partir das raízes, etc), como pensamento de pequenas escalas (territórios confinados e durações curtas). A crítica desta distinção moderna consiste em percebermos que ambos os pensamento são pensamentos do futuro (mesmo as raízes não correspondem a um passado mas sim à imposição social dum desejável) e ambos são pensamentos de opções (só que as raízes são normalmente apresentadas como inquestionáveis, ou seja, como opções já consumadas, e do interesse dos grupos dominantes). Compreendendo isto é fácil perceber que a distinção entre escalas não é assim tão estanque e que acções com clinamen são possíveis, no sentido de ser possível desestabilizar a hierarquia das escalas. Mas também no sentido de ser possível uma muito maior diversidade de configurações do que aquela que as pseudo-raízes fundamentalistas permitiam supor.
Curioso é o apontamento relativo a Deleuze e ao rizoma, quando Boaventura reconhece que, nestas novas configurações, ser raiz ou opção é um efeito de escala e de intensidade, e também quando reconhece a superficialidade (a não-profundidade) destas configurações ou mediatrizes (numa cultura imagocêntrica as matrizes sociais são imagens). Mille Plateaux continua a ser uma das bíblias filosóficas do nosso tempo e é com satisfação que vejo que tem algum sentido andar a lê-la pela terceira vez sabendo que terei ainda uma boa dezena de leituras pela frente:)
Como exemplo de raiz em crise temos o contrato social e o corpo.
A crise do dualismo raízes-opções pode levar à inacção pela proliferação de opções sem grande critério, sujeitas a um novo determinismo subreptício, o da obrigação da escolha, que tem no mercado o seu maior símbolo.
Nesse sentido têm surgido novas bússolas, novas codificações temporárias, substituíveis, destas relações entre raízes e opções, a que chama códigos barrocos – que são no entanto muito mobilizadores, porque muito consistentes, enquanto duram. Nestes códigos tudo são opções: as opções sub-expostas (acções privilegiadas, vividas como momentos únicos e exigentes) funcionam como se fossem raízes, e as opções sobre-expostas (as acções que são porosas e reformuláveis) funcionam como opções. O que está em jogo são processos de intensificação (des-naturalização duma referência, acção ou identificação) e simultaneamente de mestiçagem (cruzamento de duas dessas des-naturalizações).
Nem toda a mestiçagem é emancipatória. Se a mestiçagem se fixar em reproduções exemplares enraíza-se, torna-se um processo de canonização. Só a mestiçagem aberta, que continue sempre a permitir a proliferação caótica de raízes e opções, de novos códigos e articulações portanto, é emancipatória. Considera ser esta a mestiçagem que existe nos processos sociais de funcionamento em rede e de dispersão criativa.
Regressando à questão inicial relativa a dar de novo força de fulguração ao presente, o autor considera que tal irrupção só tem lugar se as interrogações poderosas se transformarem em imagens desestabilizadoras., no sentido de imagens onde percebemos que tudo depende e dependeu de nós e tudo podia ser diferente e melhor. Trata-se de dar razões, partilhadas e mais centradas sobre o que nos une do que sobre o que nos separa, à iniciativa humana (e não apoiar a esperança numa qualquer ideia de progresso). As razões da união podem encontrar-se na procura do que há de comum entre as diferentes formas de discriminação e de opressão, ou seja, o sofrimento causado pelo capitalismo global, pelas formas de discriminação de que se alimenta e pela colonialidade do poder.
O autor propõe três níveis de equilíbrio entre teorias da união e da separação (com peso superior das últimas): nível epistemológico, metodológico e político. Para cada nível expõe uma imagem desestabilizadora: o sofrimento humano concebido como resultado de toda a iniciativa humana que converte a solidariedade em forma de ignorância e o colonialismo em forma de saber (nível epistemológico); o epistemicídio ou assassínio do conhecimento e dos grupos sociais seus titulares (nível metodológico); o apartheid global, mundo de guetos sem entrada nem saída (nível político).
A subjectividade que se deixa indignar e pôr em marcha pelas imagens desestabilizadoras é a subjectividade desestabilizadora, movida por um trabalho ligado a uma sociologia das ausências (do que não existiu e porquê) e das presenças (do que pode ainda existir). É neste ponto que apresenta o conceito de acção-com-clinamen, ou seja, o ligeiro desvio (e não a ruptura revolucionária) cujos efeitos cumulativos tornam possíveis outras combinações entre seres vivos e grupos sociais. Este desvio implica uma interpelação activa e crítica do passado pois ocorre na fronteira entre um passado que realmente existiu e um passado que não teve licença de existir. É uma subjectividade barroca. No sentido de experimentadora de formas excêntricas ou marginais de sociabilidade ou subjectividade. Este barroco, com as dimensões da interrupção, terribilitá, sfumato, mestizaje e festa é também ele um barroco de oposição.

De novo Kamikaze Girls

Revi-o agora na totalidade e com legendas decentes, depois de o ter mencionado aqui pela primeira vez.
Não é um filme lésbico mas retrata uma amizade butch-femme. E tem um certo ar final de Telma e Louise.
O realizador, japonês, é um cruzamento estranho de Greenaway, com Kusturica, com registos de comics e bd japonesa - um show!

Festa do chocolate

É na minha escolinha, é famoso e é bom. 26 de Janeiro, aberto ao público em geral a partir das 17 horas. Quem vos avisa vosso amigo é:)

1.17.2007

L Word já era:(

Vi os dois primeiros episódios e, não sei o que pensam, mas para mim acabou. Qualquer dia vemos L Word às nove da noite, série para famílias... Onde está o erotismo lésbico tórrido da primeira série? Foi-se com as realizadoras e argumentistas lésbicas... As produtoras lésbicas querem o mesmo que todas as produtoras: vender muito e fazer muito dinheirinho.
Venha a próxima! E que seja mais radical.

1.16.2007

Clap, clap!

Vou juntar-me a um coro de elogios mas, mesmo assim, não resisto: vão ver Body Rice, puro desejo de cinema e de experimentação.

Compuproud:)

Substituí a fonte de alimentação da minha máquina sózinha! Poupei 32 euros de "diagnóstico" (o computador nem sequer arrancava, não era difícil prever que era a fonte...) e concluí uma vez mais que os computadores são máquinas com meia dúzia de peças que se encaixam entre si e que, depois de bem montados, substituí-las é canja - não se deixem levar!

1.09.2007

Pobreza

Na feitura de uns inquéritos para caracterizar sócio-economicamente a população da minha escola deparei-me com os seguintes números:
- 360 euros líquidos, valor do salário mínimo actualizado
- 450 euros, valor do referencial de pobreza em 2003 (60% do ganho médio nacional em 2003)
Quer isto dizer que os 500 euros brutos de salário mínimo actualizado e prometido pelo Governo em 2009 não chegam para tirar da pobreza por critérios de 2003! Agora percebo porque é que os sindicatos insistiam tanto em mais 50 euros já!
Só mais uma notinha: poucos eram os países da UE15 que, em 2003, não tinham um ganho médio superior ao dobro do nosso; e mesmo Espanha, Grécia e Itália eram superiores em mais de 20%, sendo que hoje Espanha já deve ser superior em mais de 50%. Sempre a andar para trás...
Mas realmente, do que me admiro? Com a baixa escolaridade da nossa população, e com as medidas de certificação burocrática, artificial e administrativa que têm inventado para aumentar os níveis de escolaridade, como esperar outra coisa que não o contínuo afastar dos níveis de produtividade e de salário dos outros, com níveis de escolaridade superior e a tomarem medidas mais substanciais para os aumentar? Continuamos a não enganar ninguém senão a nós próprios...

Bússolas

Não será talvez a abordagem mais correcta em termos de sistematização de todos os conteúdos do livro, mas vou começar por me referir ao último livro de Boaventura Sousa Santos capítulo por capítulo.
O primeiro capítulo é fundamental na viragem pós-colonialista das suas teorias. É precisamente aí que mais justifica porque é que o seu pós-modernismo de oposição tem que ser também um pós-colonialismo e, mais ainda, porque é que faz mais sentido falar-se globalmente de um pós-colonialismo de oposição (quer ele com isto dizer duma visão do colonialismo e da sua ultrapassagem que não é a dominante).
O abandono da classificação mais geral de pós-modernismo diz respeito a uma crítica da ideia de pós-modernidade como evolução temporal, eventualmente mais realizada nas sociedades ditas desenvolvidas, onde a modernidade científico-tecnológica mais se teria afirmado; a ideia de pós-modernidade estaria também demasiado ligada à descrição que a modernidade ocidental fez de si, ocultando a ideia que outros, que sofreram a sua violência, o seu colonialismo do saber e poder, dela fizeram. O que se trata é de, não abandonando os valores modernos da liberdade, igualdade e solidariedade, e repensando pós-colonialmente os pilares da regulação e da emancipação (dialéctica que só existiu nas sociedades metropolitanas, pois que as coloniais só tiveram violência), criticar a colonialidade da modernidade e de alguma pós-modernidade. Isto implica trabalhar nas margens da modernidade e pós-modernidade (posicionamento típico do pós-colonialismo - pois que torna mais visíveis os centros e suas topologias - e não do exterior).
Boaventura refere que a crítica do pós-moderno de celebração foi por ele iniciada anteriormente com a ideia de partir das experiências das vítimas, vítimas epistemológicas da ciência moderna e vítimas sociais do capitalismo moderno, a que ele chamou aprender com o Sul, sendo o Sul a metáfora do sofrimento humano causado pelo capitalismo.
Uma das questões centrais do capítulo prende-se com a questão da possível crítica interior ao sistema, ou seja, com a questão de se as vítimas, para poderem ter potencial crítico, terem ou não de ser exteriores ao sistema. Esta questão ganha centralidade no debate quando percebemos que Boaventura é visto por alguns como representante do Norte e não do Sul. Boaventura critica não somente os termos desta questão interior/exterior, no sentido em que a relação de dominação constitui dominadores e vítimas e suas auto e hetero-imagens (existindo então também um Sul imperial, a criticar), mas também a questão, mais pueril, de ser a origem geográfica e não as ideias a definirem o Norte ou Sul dum investigador.
Por pós-colonialismo entende um conjunto de teorias que dão primazia teórica e política às relações desiguais entre o Norte e o Sul na compreensão do mundo, relações essas constituídas historicamente pelo colonialismo e que não terminaram socialmente quando terminou o colonialismo político, pois que são elas ainda o referencial central da discriminação social (começam a ver o que isto tem a ver com a discriminação lgbti?). Neste sentido considera incorrecto afirmar-se que vivemos em sociedades pós-coloniais.
A reconfiguração do pilar da regulação e da emancipação pela visão pós-colonialista acontece quando afirma que o colonialismo foi a forma da ignorância do conhecimento-emancipação, forma esta recodificada como forma de saber no conhecimento-regulação, ou seja, o colonialismo como ordem (a emancipação é totalmente assimilada pela regulação quando se perspectiva o colonialismo como missão colonizadora, de salvação do Outro e sua transformação no Mesmo científico-capitalista). Ou seja, o colonialismo político tornou-se progressivamente um colonialismo também epistemológico, num tal indescernimento que, quando acaba o colonialismo político permanece o social.
Para um autor que pensa a relação da modernidade com o capitalismo Boaventura considera que não deve negligenciar mais o facto de, desde o século XV, um não ser pensável sem o outro, sendo que merecem igualdade de tratamento analítico. No entanto, clarifica que o capitalismo pode existir sem o colonialismo político, mas não sem o colonialismo social, uma vez que é o colonialismo social que fundamenta e identifica os grupos sociais que o capitalismo precisa de desumanizar para poder explorar (e vejamos as desigualdades lgb), ou mesmo sobreexplorar ao ponto de excluir (e vejamos as exclusões t e i). Trata-se da colonialidade do poder e do saber.
Ao ligar tão intimamente capitalismo e colonialismo Boaventura configura um pós-colonialismo crítico ou de oposição, salientando que não se pode esquecer a materialidade das relações sociais e políticas que tornam possível ou até exigem os discursos e práticas desiguais e excludentes; trata-se de insistir numa ênfase nas condições económicas, sociais e políticas que garantem a igualdade na diferença e a exclusão (todo um campo de investigação também muito descurado pelos estudos queer, eles também excessivamente culturalistas, excessivamente centralizados unicamente na análise dos diversos tipos de discurso).
Por outro lado, e ainda como crítica ao viés culturalista do pós-colonialismo dominante, Boaventura não considera correcto afirmar que há uma primazia dos referenciais de discriminação colonial sobre os capitalistas; há uma relação dialéctica e complexa e nenhuma crítica colonial ou pós-moderna é válida se não incluir igualmente uma crítica ao capitalismo global.
Por fim o pós-colonialismo é ele próprio colonial ao tomar como referência o colonialismo britânico, assim como o seu pós-colonialismo, o que monolitiza a Europa contemporânea. Portugal, e isto é fundamental para todas as teorias da identidade portuguesa, foi um colonizador colonizado e teve igualmente um pós-colonialismo muito condicionado pelos interesses desse e doutros colonizadores. Colonialismos e processos de descolonização há muitos, seus palermas! Assim como colonizações sociais e internas.
Este pós-colonialismo de oposição é fundamentalmente um pensamento de alternativas e tenta ir além do pós-colonialismo na consideração da diversidade de movimentos e organizações que constituem a globalização contra-hegemónica, assim como, muito importante para os movimentos lgbti, recusa uma teoria geral da transformação social e consequentes hierarquias dos agentes e lutas, hierarquias essas que colocam sempre na sala de espera da história as lutas mais minoritárias (exemplo: os direitos lésbicos só poderiam vir depois de conquistados os direitos das mulheres e etc). Isto implica um grande esforço de tradução entre as diversas lutas e culturas, no sentido de tornar as diferenças articuláveis e de proporcionar acções conjuntas (aspecto de união e cumplicidades que considera central e muito desvalorizado). Estes diálogos de tradução ou hermenêutica diatópica constroem novas esferas públicas globais contra-hegemónicas a que chama cosmopolitismo subalterno ou insurgente, fugindo ao relativismo mas também ao universalismo, perspectivando não uma mas múltiplas narrativas de emancipação.

1.06.2007

Por casa

Robin's Hood é um lésbico digital de baixo orçamento com uma câmara interessante, bons desempenhos e alguma visão política. A ver.
Mas se procuram uma pérola essa é o japonês Kamikaze Girls. E ainda por cima divertido.

Fora do nosso umbigo...

Página do relatório da UNICEF sobre a discriminação das mulheres e raparigas no mundo.

Muito mais a fazer

Proposta de Relatório sobre como conduzir o Caminho para a Igualdade de Género 2006-2010 na UE, com uma série de recomendações à Comissão Europeia, nomeadamente nas últimas duas páginas: o centramento nos direitos da mulher como direitos humanos, orçamentar pelo género, pensar de forma mais global os impedimentos à estratégia de Lisboa no que às mulheres diz respeito (propondo a nomeação duma Srª Lisboa), e ainda medidas para aumentar a participação das mulheres nos lugares de decisão.

Igualdade - instituições

Instituto Europeu para a Igualdade de Género funcionará na Lituânia a partir deste ano.

Iniciativa legislativa do "povo":)

Campanha para que os cidadãos da UE possam ter iniciativa legislativa. Toca a subscrever!

Como não é todos os dias...

CONVITE
Faces de Eva, Centro de Estudos sobre a Mulher, convida-o a assistir à conferência Indústria do Sexo: Direitos e Sindicalização. Apresentadora: Doutora Ana Lopes. Dia 9 de Janeiro de 2007 às 17.00 horas. Local: Faculdade de Ciências Sociais e Humanas, Av. Berna, 26-C, Auditório 1, Torre B

1.04.2007

Ah, coisa boa!

"A gramática do tempo - para uma nova cultura política", de Boaventura Sousa Santos, foi a minha leitura natalícia; e um grande alento, como vereis nos posts que a ele dedicarei, para este e muitos anos que se avizinham.
Que sorte termos alguém com esta capacidade de síntese, solidariedade e acção a escrever em português!

Mais uns textitos

Uma recensão do Undoing Gender e um artigo por ele inspirado, não muito famoso mas que diz algumas coisitas, Reconfigurações queer das questões do reconhecimento.