Blog duma gaja... bem... esquisita, estranha, tarada:) Enfim... queer!

9.30.2006

Por casa

The sex monster é uma comédia mainstream razoável onde é feita alguma desconstrução da visão patriarcal do lesbianismo.
Bobbie's Girl é mais um filme judeu que termina em casamento lésbico:) . Não é deslumbrante mas é interessante ver como duas questões são colocadas no casal lésbico: a oposição parceira prática/parceira sonhadora (e atravessamento desta oposição pelo par butch-femme) e o enfrentar de um cancro da mama.

9.28.2006

Ai que raiva!

O editorial do DN de ontem, assim como algumas peças, alertavam para este simples facto: a competitividade do sector privado em Portugal é afinal pior que a do sector público. E vêem os senhores do Compromisso Portugal lançar para a mesa o número redondo de redução a 200 mil funcionários públicos. E vem o Governo lançar-se a tirar-me 25% do meu vencimento futuro (mais os 15% da reforma). Ai que raiva! Só apetece dizer: vão-se todos f...! GRRRRRR!

Youkali

Altura de redescobrir September Songs, cd magnífico recheado de interpretações ao limite de canções de Kurt Weil, com relevo para Youkali na voz de Teresa Stratas, que podem encontrar neste blog (letra e outras versões - incomparavelmente menores - também). Deliciem-se que é Outono:)....

Violência nas escolas

Recentemente foi divulgado um estudo da Deco sobre violência nas escolas. Infelizmente são misturadas duas ou três questões diferentes: a violência, a criminalidade, a discriminação. Assim, apesar do mérito de chamar a atenção para o assunto este estudo continua, aparentemente (será publicado agora em Outubro na íntegra), a invisibilizar o bullying, do qual são vítimas muitas crianças e adolescentes percepcionados como queer.
Nomeadamente há uma grande luz vermelha sobre a Escola de Dança do Conservatório que, com a maior percentagem de casos de "violência física ou psicológica" a nível nacional necessita urgentemente de acções de prevenção de possível bullying, muito provavelmente motivado por percepções queer e provavelmente também por razões que têm a ver com a forma corporal (fragilidade, obesidade, etc).

9.22.2006

Planejar - visão e paixão

Não sei se é por ser uma "esquisita":) como a Ana, e de já ter até feito pela primeira vez uma magnífica compota de figos (e de a ter trocado por magníficas também de abóbora e melão/meloa:), e andar encantada com o friozinho outonal, mas não concordo nada com a Fernanda (e se um dia disserem que eu critiquei a Nanda em favor da Zézinha, eu NEGO!):
- no Plano de Revitalização da Baixa há paixão sim, a paixão duma visão, a paixão duma grande vontade - é preciso muita tesão para arrancar com uma coisa daquelas, disso não tenho qualquer dúvida.
É certo que falta ali a noção, que tem quem cá vive, que isto é também um bairro, apesar de ser um centro da cidade. Mas essa força de bairro castiço crescerá se tudo isto for mais bonito - e isso tenho a certeza que será. Pelo menos a visão deste Comissariado tenho a certeza que é a duma Baixa linda (mérito da equipa da Zézinha, é um facto; mas também de todos os estudos preparatórios, de todas as análises de terreno que foram feitas, são conhecidas, foram tidas em conta, e que li também). E que manterá muito daquilo que lhe é específico. E que terá qualidade de vida.
Lá está: é Outono, é a altura ideal para começar a acreditar num sonho. E sonhos assim tornam-se ideais reguladores da realidade, referenciais de paixão. Motores do principal: acreditar.
(e se disserem que este discurso tem alguma coisa a ver com um discurso duma Associação de Moradores, também nego - não, este é meu, da minha paixão partilhada, também com a Zézinha, pela Baixa)

9.17.2006

Por casa

Nada desapontadora é a segunda série Sugar Rush - a banda sonora sempre a abrir, a cena lésbica mais colorida, o sentido de humor sempre lá.
Quanto a livros desapontador foi "Jack" de A.M.Homes - nem um dedinho de perversão, nenhuma poesia na escrita, nesta história dum adolescente em dificuldades para aceitar a homossexualidade do pai. Dir-se-ia que Homes fez um livrito/guião mainstream sobre o quão díficil é para os filhos aceitar a homossexualidade dos pais, às três pancadas.
Ao melhor estilo, "The deadly space between" de Patricia Duncker, numa escrita densa, num caldo pós-edipiano tórrido de desejo, medo e poder físico - o lobo mau está de volta:)...

Baahhh!

(expressão de desilusão mais conforme ao pós-visionamento de One Night Stand:)
Pois que o filme indiano foi interessante, as meninas bonitas, a curiosidade de ser uma Índia cristã; e também curiosa a falta de resolução final (entre um mau e um bom fim).
Pois que Hate Crime não é um doc mas sim um filme (enganou-me porque vinha como Hate Crimes no programa) - dos 15 m que vi bastante mainstream e algo desinteressante.
Pois que One Night Stand não é um filme mas sim uma desilusão. Teria sido útil realizadora e actrizes terem feito uns workshops de contrasexualidade antes de o filmarem; e já agora umas leiturazinhas da realizadora quanto à gramática visual tradicional da pornografia também teriam ajudado a não cair em tantos lugares comuns (só como exemplo, a certa altura a obrigatoriedade do orgasmo de pelo menos uma das parceiras, em pessoas que estavam a ser filmadas para exibição pública pela primeira vez, tornava-se penosa).
A contra-sexualidade pretende contribuir para uma nova gramática sexual, de significações menos fixistas e mais transitivas. A citação subversiva do uso de dildos é apenas uma das práticas de re-significação. Mas, num filme tão cheio de dildos, nem isso é feito - eles são sempre usados no mesmo lugar (material e simbólico) do pénis e não há dildificação doutros orgãos ou objectos. Enfim, há um felatio a um dildo/pénis dum trans F-M, mas pouco trabalhado. O fist fucking também não recontextualiza suficientemente o dildo/mão-antebraço noutras citações que não a penetração vaginal (quando a analização, de qualquer orgão corporal, é a segunda regra sugerida da contrasexualidade). Mesmo o SM contratualizado, terceira sugestão, aparece como incipiente, não explicitamente contratualizado e novamente sem recontextualização dos instrumentos.
O filme resulta numa mostra das origens da contrasexualidade: a revolta lésbica SM pela visibilidade duma sexualidade feminina mais hard. Mas esse foi só o ponto de partida. Há que saber sair daí para ir mais longe.
Como grande ponto positivo saliento as imagens - e o som - dos genitais femininos em práticas lésbicas ao vivo e a cores.

9.16.2006

Arte/Género/Queer

Excelente iniciativa que pretendo espreitar!
E ainda bem que o Pagan/João está de volta! Biba a família queer!

Cinema é VISIBILIDADE

Vá lá, não tenho de ser sempre eu a instigar a reflexão crítica das nossas comunidades lgbti.
Acrescentaria apenas mais um ponto que me desgostou: quando Celso Júnior afirma que não voltará mais a Lisboa e ao Festival, e infelizmente com uma aparência que denuncia alguma doença grave, e quando Gonçalo Diniz aparece publicamente após tantos anos, é lamentável que, na sua entrada a par e nos seus discursos, a plateia não tenha mais do que mornos aplausos, e nem sequer se levante... Levantei-me lá e levanto-me aqui. O meu grande obrigada pelo vosso trabalho - do qual fui talvez a mais feroz crítica, mas sou também a mais feroz defensora (quem quiser perceber isso, perceba; quem não quiser... boa viagem!) Boa sorte e felicidades para ambos! Muito obrigada.

Festival de Cinema

Hoje vou arriscar provavelmente The Journey, lésbico indiano premiado em Chicago, o documentário Hate Crimes e o aparentemente imperdível One night stand (primeiro porno queer lésbico e trans francês por uma fotógrafa e realizadora membro da Queerfactory - cheira-me que vamos ver contra-pornografia em força!).
Links para entrevista com a realizadora (que classifica o filme como porno queer romântico:), seu site de fotos (com muitos dados curiosos sobre o activismo lésbico queer francês) e site do filme.
Isto da Preciado ter escrito o seu Manifesto em francês e da Bourcier insistir nas suas heresias vai tendo as suas consequências:)...
Amanhã lésbicos: o (dizem) bonito Unveiled e o premiado Gypo.
Quanto às curtas, descubram vocês quais são lésbicas e quais das outras são boas - depois digam qualquer coisa que isto de pesquisar dá muito trabalho:)

9.15.2006

Lindas meninas

Sempre em forma: esta menina e esta.

Para sermos amigos assim...

O actual Papa, com a sua habitual arrogância face às outras religiões, propôs-se esta semana dialogar mais com os islâmicos, convidando-os a serem uma coisa que ele entende que eles não são: racionais. Ora, convidar para o diálogo alguém a quem não atribuímos o estatuto da racionalidade...
Concretizando: o que pode um islamista moderado, precisamente aquele que se gaba de lidar racionalmente com a sua fé, pensar dum Papa que afirma que o Islão é uma doutrina segundo a qual Deus é absolutamente transcendente e a sua vontade não está ligada a nenhuma das nossas categorias, mesmo a da razão. Citou ainda um teólogo muçulmano dos séc. X e XI, Ibn Hazn, segundo o qual “Deus não seria sequer ligado pela sua própria palavra e nada o obrigaria a revelar-nos a verdade”. Ou seja, arrogou-se em intérprete da fé dos outros e apontou-a como totalmente ilógica.
Isto é ainda mais irónico (mas infelizmente também muito sério e muito grave no actual contexto histórico) quando a palestra em que o fez se destinou a proclamar uma maior relação entre a fé cristã e a racionalidade, não a racionalidade científica, mas uma racionalidade filosófica (para lutar contra a ideia de que o cristianismo está ligado exclusivamente à crença, o que prejudica o seu estatuto social nestes tempos tecnocientíficos) - ora, é exactamente nisso que acreditam os islâmicos moderados. Mais inteligente teria sido salientar esta convergência, ou seja, apelar aos islâmicos moderados como mil vezes já perceberam os políticos, do que atacá-los.
Resumindo: num texto em que classifica a Jihad como totalmente irracional o Papa mostra afinal que a Igreja Católica tem razões para querer a guerra civilizacional. Quais? As básicas razões sociológicas do conflito: quanto mais os transformarmos em "eles" mais se identificarão como "nós". E numa altura de perda de fiéis...

9.13.2006

Tanta propaganda..

Depois de fazer a capa de alguns jornais com a conversa de que os professores portugueses são os terceiros mais bem pagos do mundo (escondendo que essa hierarquização considera apenas o topo de carreira), a Ministra vem hoje confessar ao DN que, na entrada da carreira, somos dos mais mal pagos. Mas não é só na entrada. É, pelo menos, nos vinte primeiros anos. Os tais salários aos quais se quer agora condenar 66% da classe.
Veja-se aqui a tabela salarial e considere-se que cada escalão abarca, em média, 4 anos de serviço. E compare-se com outras tabelas salariais da função pública aplicadas a licenciados... Concluir-se-à que os professores são os funcionários públicos licenciados mais mal pagos.
E mesmo assim, estando a crescer a despesa do Estado, e a aumentar a contratação de funcionários públicos - exactamente o contrário do que prometeu o Governo, e que ainda por cima não clarifica totalmente - é ainda aos professores que se vem, de novo, e após dois anos e congelamento de salários, pedir sacríficios. Irra!
Querem avaliar o mérito? Avaliem PRIMEIRO. E DEPOIS hierarquizem. E finalmente, paguem bem aos que merecem, em vez de simplesmente condenarem 66% dos professores a um sub-estatuto. Porque, uma vez preenchidos os quadros do terço de professores de estatuto superior, quando existirão vagas para os mais novos? Nunca. É isto motivação?
A Ministra afirma também, falsamente, que é possível a um professor ser avaliado com justiça e boa nota nas condições de avaliação que pretende agora impor no novo estatuto. Isso é falso porque as restrições às faltas são tais, e funcionam de tal maneira como condição impeditiva duma boa avaliação, que serão raríssimos os professores que consigam cumpri-las, mesmo desejando. É isto motivação? Não, isto é dizerem-nos: nunca mais progredirão, nunca mais vos pagaremos mais.
E é com profisionais com este entusiasmo que querem ultrapassar esta vergonha... Nestas condições culturais das famílias - e das localidades - a melhoria ds resultados nas gerações mais recentes prova que os professores são uns heróis - e não ladrões do Estado e do povo, como propagandeiam.
E quanto ao "Prémio Nacional do Professor", neste quadro, não me obriguem a dizer onde podia Sócrates enfiá-lo.... GRRRRRR...

9.12.2006

Estertor do Expresso

Confesso que vou gostar. Lamento que seja às mãos do arquitecto.
Sugiro o seguinte para um estertor em grande: compre-se o Expresso, tragam-se os DVDs (ficam a 3,5 € ) e deixe-se o jornal nas bancas:)
Porquê tanto desprezo? Porque este foi um jornal que resistiu sempre até à última a tratar a agenda lgbt como agenda política que é. E é o que basta...

Computerless

Sem computador em casa. Pela primeira vez em muitos anos. Foi pior do que mandar bébés para a creche pela primeira vez:) Chuif...

9.03.2006

Delírios lacanianos

Há uma entrada de Álvares em “Lacan e o feminino”. Aí se reafirma a indiferença sexual do primado do significante fálico (que significa, para homens e mulheres, que a sexualidade humana não existe fora das significações), se reafirma portanto o falo como símbolo da falta em ambos (castração no homem e inveja do pénis na mulher).
Mas Lacan foi sensível ao facto das mulheres serem mais negativamente definidas desta forma do que os homens e tenta reflectir sobre o que Álvares chama “a irredutibilidade da sexualidade feminina ao falo”, mas sem abdicar da sua função estrutural (procurando portanto a diferença na igualdade). Álvares refere que é no seminário Encore (1972-73) que Lacan afirma que A mulher não existe e elas não estão todas na função fálica. A justificação desta afirmação, principalmente no que se refere à dita não universalidade da mulher, é delirante e só se justifica, no meu entender, porque Lacan, tal como Freud, era um fascinado pelo desejo e prazer das mulheres e tinha de encontrar uma forma de falar do que Álvares denomina “gozo suplementar para lá do gozo fálico”, “situando-se num além ou num aquém do significante”.
E o que me parece incrível é como é que tão excelentes teóricos da sexualidade não resistem a contaminar a teoria com aspectos que relevam apenas do facto das mulheres serem mais facilmente multiorgásmicas do que os homens e, regra geral, terem mais endurance sexual – inferir daqui toda uma outra estrutura do desejo, não sei não...
Lacan deveria ter percebido que é o corpo em relação, indiferentemente de ser corpo de homens ou de mulheres, que está aquém e além do significante – em vez de remeter, de novo, a especificidade das mulheres para um para lá ou para cá da cultura, da razão, do discurso...

Ainda o Dicionário

Depois da apresentação da formação da identidade sexual lacaniana esperava-se mais da entrada “Identidade sexual”, entregue a José Luís Magalhães Gomes. O texto apresentado está cheio de imprecisões conceptuais, é muito psicanalítico e psiquiátrico, e termina, hilariantemente para mim, com referências a um certo (quase obscuro, maligno e mágico:) contrato que circula na internet que contesta tudo o que o texto extensamente afirmara até então, aparentemente com a concordância do autor, através duma tal contra-sexualidade (conceito de Preciado – que só aparece na bibliografia mas não no texto). Não deixa de ser curioso que seja no texto mais retrógado em termos conceptuais que aparece a, até agora, única referência a Beatriz Preciado.

Poliamor

Vi agora no Laundrylist que a entrada Poliamor da Wikipedia tinha sido melhorada. E bastante. Fico muito contente por se irem desenvolvendo e explicitando mais esses conceitos em português.

A festa de que se fala e mais

Lesboa Party!
Setembro é em grande! Festival de Cinema (programação aqui) de 15 a 24 e festarola a 30!

Urra!

Se não os podes vencer junta-te a eles! Conforme já devem ter ouvido a Universal vai possibilitar o download gratuito de todo o seu catálogo de músicas. Ehehehe:)

Por falar em crianças

Existe há algum tempo o site Observatório sobre Adopção onde se pode encontrar imensa informação sobre como adoptar, quais os riscos, os procedimentos, os critérios, os documentos para formalização da candidatura (onde se pode ver o formulário e o questionário individual, que dão bem ideia do que os serviços pretendem ou não saber), etc.

Primeiro banco público de esperma e óvulos

É no Porto, ligado ao Instituto de Ciências Biomédicas Abel Salazar (ICBAS), que tem dado cartas nestas questões, também do ponto de vista ético. Parabéns meus senhores!
A notícia refere alguns critérios de selecção de dadoras e retribuições pela doação; quem sabe não há por aí interessadas. Quanto à possibilidade de comprarem esperma, é perguntarem, está lá o mail:) E é baratinho:)

9.02.2006

Equívocos

(e agora é quando eu escrevo uma série de disparates sobre coisas que não conheço)
Mas será que subestimou mesmo? A tal inflexão para o Real não é uma tentativa de pensar o encontro dos corpos? Para acabar por reconhecer que também nesse encontro se mantém a má nova (como lhe chama Álvares) da psicanálise: não há satisfação plena? Mesmo que esses corpos sejam feminino-maternos? E que, da mesma forma que o falo (androcêntrico, patriarcal) é apenas o significante de algo mais estrutural (a tal falta kantiana, a tal impossibilidade do absoluto), podendo esse significante ser outro, podendo o mito ser outro, também não há corpos, por mais femininos que sejam, que ultrapassem essa característica humana?
Posso estar a branquear o androcentrismo lacaniano mas as feministas foram também demasiado femealistas e maternalistas.
Por outro lado, a nova será assim tão má? Não me parece. A in(ex)-sistência do desejo, mesmo no sofrimento da sua não satisfação, et pour cause, é a pulsão da vida por excelência. Pelo menos, é assim que a minha identidade sexual vê a coisa:)))))

Respostas feministas

Está bom de ver que Lacan subestimou a comunicação não linguística, a complexa e surpreendente (para o sujeito e para o seu inconsciente) relação entre os corpos (digo eu, não o diz Álvares).
Daí que não surpreenda que feministas referidas por Álvares vão exactamente por aí: Kristeva "enfatiza o pré-Édipo como fase pré-verbal de uma relação especial com o corpo materno". Em Irigaray "O alinhamento do feminino com a matéria e o fluxo implica uma valorização do corpo como fundamento de uma identidade fluida e de um desejo liberto do corte significante, um desejo não alienado à linguagem, não castrado". A vagina (e não o falo) seria o lugar simbólico desta fala fluida e equívoca (a la Deleuze-Guattari no Anti-Édipo).

Álvares e o desejo em Lacan

"O desejo não é produção incessante de força criadora, de substância, de vida, mas o resultado da acção mortífera do símbolo sobre a coisa: “o símbolo manifesta-se como assassínio da coisa e esta morte constitui no sujeito a eternização do seu desejo” (Lacan, 1966: 319). O desejo é a essência do homem, sim, mas na medida em que a exterioridade e a prioridade do simbólico – que constituem o próprio inconsciente – o aliena e o separa do objecto. Nesse corte, nessa perda, instala-se o desejo.
[...] o homem não reage ao instinto mas ao significante [...] Donde a distinção fundamental entre necessidade, pedido e desejo. Porque fala, o sujeito aliena a necessidade em pedido. O que assim é perdido da necessidade por não ser articulável no pedido (que diz respeito a outra coisa que não a satisfação a que apela), esse resto do pedido, é o desejo [...]. Alienado ao jogo do significante que é incapaz de o dizer directa e plenamente na sua verdade, o desejo envolve-se na via da metonímina, errando entre múltiplos objectos parciais: ele é paradoxal, desviante, excentrado, escandaloso, impossível de satisfazer. [...] o desejo do homem é o lugar do Outro, pois é do lugar do Outro – do discurso do Outro que é o inconsciente – que ele deseja. Por isso, o desejo é opaco para o sujeito.
[Daí que] A ex-sistência é o exílio do sujeito em relação ao gozo e manifesta-se no impasse estrutural de que padece a sexualidade humana.
Este impasse estrutural tem o nome de castração. [...] O mito [de Édipo] dá a forma de drama familiar ao efeito da estrutura da linguagem sobre o sujeito. [...] A castração é então uma operação simbólica que faz surgir o falo como significante da falta [a renúncia à mãe, em ambos os sexos, é perder a garantia de um gozo absoluto], obrigando o sujeito a situar-se em relação a ela pela escolha duma identidade sexual [que não é sexo, nem género].
[Mas nem por isso o homem desiste; não, ele in(ex)-siste]. A partir dos anos 1960 [Lacan] [...] regista uma inflexão que refere o desejo ao gozo e que se traduz na teorização do objecto como causa do desejo, vazio que o fantasma vela, e como plus-de-jouir, resto de gozo que escapa à inscrição significante e que incessantemente relança a função entrópica da pulsão forçando o acesso à Coisa, o insuportável do para lá do princípio do prazer que é também para lá do princípio da realidade. A função pacificante e estruturante do desejo, que se sustenta dessa cicatriz da castração que é o fantasma [a tal forma própria de renunciar ao gozo absoluto, a identidade sexual], está assim constantemente ameaçada pelo deus maligno do gozo cuja acção esquartejante sobre o desejo é comparada por Lacan à “automutilação do lagarto que perde a cauda em sofrimento” (idem, 853). [...] sendo a pulsão a via do desejo, via essa pela qual o sujeito repete a perda do objecto – donde resulta o plus-de-jouir -, a referência do desejo ao gozo permite pensá-lo num campo, o do Real [já não só o Simbólico], que mostra a impossibilidade da sua satisfação plena."

9.01.2006

Abençoada!

Ainda no Dicionário da Crítica Feminista uma excelente entrada em "Desejo" de Cristina Daniel Álvares (não sei se tem algum parentesco com Cláudia Álvares, outra senhora que, na área do pós-colonialismo, é muito clara e sintética - mas da qual, infelizmente, não tenho ouvido falar). Directora do Departamento de Estudos Franceses da Univ. do Minho, Cristina Álvares, apresenta um texto sintético, claro, de fazer inveja a qualquer especialista em psicanálise ou filosofia. Trata-se dum texto sobre Lacan e agradeço-lhe profundamente a clareza pois que já muitas vezes andei à cabeçada às paredes a lê-lo:) e este pequeno texto é uma grande ajuda. Para quem queira ver outro texto dela sobre estas coisas há uma coisa on line mais recente e que também promete muito.
Devagarinho vou transpor para aqui alguns extractos - é que, ainda por cima, são bonitos (boniteza para filósofos e outros sonhadores apaixonados:).

Novo cinema asiático

Este mês com ciclo na Cinemateca. Muitas coisas lindas e deslumbrantes!
Em Outubro inicia o ciclo integral Fassbinder.