A revista gay espanhola Zero dedicou grande parte do seu número de Maio às eleições autárquicas espanholas que se iriam realizar.
A primeira novidade tem um carácter gráfico mas também simbólico: a capa é, pela primeira vez, dum político do PP, Gallardón. Outras novidades gráficas são a presença de anúncios partidários do PSOE, da Esquerra, do PP (nomeadamente Esperanza Aguirre, que viria a ganhar com maioria absoluta em Madrid), do PSC (nomeadamente Jordi Hereu, que ganharia de novo, com maioria simples, em Barcelona), da ICV- EuiA, do PSOE (Canárias) e da IU (Inés Sabanés).
Em termos de conteúdo duas coisas interessantes: por um lado, a entrevista a Gallardón, pelo que mostra do que pode ser o argumentário dum novo centro-direita (que cá parece estar a ser seguido por Pires de Lima e Teresa Caeiro); por outro, mini-entrevistas a muitos candidatos que permitem comparar as promessas ao eleitorado lgbt cá e lá.
Quanto a Gallardón, ele é claro: a direita deve centrar-se, assim como a esquerda, e as “posturas extremistas” devem ter “cada dia menos possibilidades de protagonizar a vida pública”. Tudo menos a possibilidade de “que jamás nadie se levante preocupado porque sepa que sus valores esenciales no van entrar en crisis” [caso numas eleições um “partido extremista” tenha expressão]. O centrão em alternativa sem alternativa, portanto – a total manutenção do status quo.
Quanto ao seu discurso face à diversidade resume-se a: todos somos iguais mas tratemos igual o que é igual e diferente o que é diferente.
Em primeiro lugar tem um enorme cuidado com o seguinte: não existem preconceitos ideológicos em função da orientação sexual, diz ele. Ou seja, apesar da história partidária demonstrar que a esquerda tem sido muito mais generosa com as populações lgbt que a direita (o PP interpôs recurso no Tribunal Constitucional contra o casamento homossexual, por ex.), insiste a direita em dizer que não têm de haver preconceitos... e o pior é que há efectivamente lgbts que compram isto...
Muito cuidadinho tem também com o seguinte: sim, claro, diz ele, a administração pública deve trabalhar com as minorias. Mas nem todas devem ter o mesmo tratamento.
E ainda: dialogar, claro, dialogamos com todos. Mas medidas institucionais para aumentar a participação, não.
Exemplos de políticas activas de promoção da cidadania lgbt? A promoção económica da Chueca, pois, afirma. Parece que estou a ouvir o João Soares quando defendeu as virtudes turísticas do Festival de Cinema Gay e Lésbico... Mas também defende claramente todo o apoio logístico ao Europride (a marcha do orgulho em Madrid é este ano europeia), o apoio a todas as suas conferências e debates, a participação da Câmara neles. Mas na Marcha do Orgulho, não participaria (apesar de participar em marchas pró-família).
Quanto ao PP continuar a ser contra a adopção por casais homosexuais (já aprovada) e contra o casamento (já aprovados): os homossexuais nunca estiveram proibidos de adoptar individualmente, ninguém lhes perguntava se o eram (don’t ask, don’t tell adoptivo portanto...); quanto ao casamento, deveria ter os mesmos direitos mas outro nome porque é... conceptualmente (?)... diferente, diz.
Reconhece o erro de não terem querido regulamentar os direitos das uniões de facto homossexual (será que o nosso CDS/PP também já percebeu este erro, por isso é que agora o defende?).
Bem, o importante é que mesmo esta entrevista, e a mini-entrevista feita a Aguirre, demonstram que há determinadas preocupações de agenda que já estão interiorizadas, até pela direita, e que cá nem por toda a esquerda: a administração pública local tem um papel de luta contra a discriminação importante; os eventos lgbt mais importantes devem ser logisticamente apoiados pelas Câmaras e estas devem participar neles institucionalmente nos lugares de debate.
Quanto a realidades e promessas aos eleitorados lgbt, à esquerda, temos as seguintes lições: em Barcelona existe, desde 2003, um Conselho Municipal de Gays, Lésbicas, e Homens e Mulheres Transexuais (é consultivo e participam nele todas as associações lgbt de Barcelona); o candidato do PSOE Madrid propõe-se criar um Observatório dos Direitos Humanos e Contra a Discriminação.
Existe uma forte consciência de que é nas localidades que mais deve ser posta em prática a legislação nacional anti-discriminação, nomeadamente em programas anti-discriminação nas escolas, em políticas de habitação não discriminadoras e que evitem os guetos, no apoio a actividades desportivas (por ex. este ano vai haver no dia do Orgulho em Madrid uma corrida intitulada 10 km de Orgulho).
Defende-se o apoio não só ao Dia do Orgulho, como também ao Dia Internacional contra a Homofobia e Transfobia.
Defende-se legislação especificamente anti-homofóbica.
Mas permanece uma grande dificuldade, principalmente na esquerda comunista, mas também em alguns socialistas: não se consegue passar do discurso da igualdade para o da diversidade, da igualdade na diferença. Daí que continue sem se reconhecer a existência de eleitorados (de que os lgbt são um ex.) e não dum eleitorado, de políticas contra a discriminação e não de políticas da igualdade.
Duas excepções notórias são: Jordi Hereu (que ganharia em Barcelona) que usa categorias como “aceitação da diversidade”, “reconhecimento da heterogeneidade”, “para conseguir a igualdade às vezes há que atender a necessidades diferentes”, e que é defensor das secções lgbt nos partidos como medida provisória de luta por uma futura igualdade (secção lgbt que existe há muito no PSOE); outra excepção é Inma Mayol (ICV-EuiA), que refere preferir inclusão a integração, usa categorias como “reconhecimento da diversidade e do outro”, defende mais legislação mas, principalmente, políticas activas por parte da Câmara, como o apoio a edições escolares lgbt, a promoção da pluralidade nas associações de pais escolares, etc.
Já agora de notar que gays assumidos foram eleitos Guillem Espriu (PSC, 13º na lista) e Xavier Florença (Esquerra, 3º na lista), ambos em Barcelona; e José Araújo, pelo PP, em Ourense. De salientar também, como candidata, Kim Pérez, primeira candidata transexual pela Izquierda Unida-Granada.
Compare-se de novo estes discursos, estas iniciativas e estas visões de diálogo institucional, com o que se passou
aqui (mesmo após terem sido questionados), e conclua-se que muitos candidatos lisboetas andam a dormir no que a 15 ou 20% do seu eleitorado diz respeito...
No rescaldo da Marcha do Orgulho e Arraial Pride, é de saudar a
presença de Sá Fernandes e as propostas do seu programa (apesar de, institucionalmente, o Fórum Municipal e o Observatório da Cidade que propõe serem demasiado generalistas para uma efectiva promoção da diversidade; já as propostas relativamente ao apoio à Marcha, Arraial e Festival de Cinema são excelentes); é de estranhar a ausência de Roseta (que, tanto quanto julgo saber chegou a estar confirmada), apesar de ser de louvar as suas
declarações em favor dum mecanismo institucional local de auscultação das discriminações. Quanto ao seu
Roteiro para a Cidadania sabe institucionalmente a muito pouco. Mas o que realmente não se percebe de todo é a ausência de António Costa, aparentemente mesmo muito alheado das questões da diversidade, tão alheado que, mesmo quando vai
visitar a comunidade hindu, fica-se apenas por lhe gabar o poderio económico e cultural, e por vezes
político. Já do valor da diversidade em si (nomeadamente da diversidade étnica, que até aparece bastante mencionada no programa), nem cheiro...