Blog duma gaja... bem... esquisita, estranha, tarada:) Enfim... queer!

2.25.2006

Sempre existiu, a Gisberta

Hoje já os jornais se dignam referir a principal vítima de todo o caso do Porto e, em algumas notícias, lá se refere que era transexual, algumas referindo, finalmente, o nome: Gis ou Gisberta.
Mas o DN, sinceramente, comove-me. Obrigada.
Vou escolher uma das muitas peças de hoje do DN sobre o tema, fazendo no entanto um importante reparo: o cuidado em recuperar a história de vida desta pessoa assassinada emocionar-me-ia da mesma forma se a Gis fosse descrita como uma mulher aguerrida (e não dócil) e agreste (e não bela):

"Gisberta é recordada como uma mulher belíssima, cordial e dócil

Gisberta, nascida Gilberto Salce Júnior na cidade de S. Paulo, Brasil, há 46 anos, acabou morta no fundo de um fosso malcheiroso. A "mulher belíssima, muito cuidada, profundamente feminina e dócil", que chegou a Portugal há uns 25 anos, agonizou mais de 48 horas até soltar o último bafo de vida. As notícias anunciaram a morte de um homem, mas é no feminino que a tratam as associações que privaram com o transexual e lhe prestaram auxílio: "Era uma senhora", diz Raquel Moreira, do Espaço Pessoa, que lidava com "Gis" há quase dez anos.
Umas duas semanas antes de ser violentamente agredida no parque subterrâneo que lhe servia de casa, Gisberta confidenciou a uma técnica sobre "uns miúdos que de vez em quando apareciam na obra e se metiam com ela", embora não tenha referido qualquer agressão. Aconselhada a sair, afirmou apenas: "Posso estar muito mal, mas continuo a ter a força de um homem, não vai ser por causa de uns miúdos..." Mas Gisberta há muito estava débil, fruto das maleitas do HIV e da hepatite, que a deixavam cada vez mais fragilizada.
Foi-se alterando o acompanhamento que recebeu do Espaço Pessoa ao longo dos anos. Quando aquela instituição abriu portas, em 1997, o contacto era feito através das equipas de rua, que lidam com a população que se prostitui. Gisberta, que em tempos havia feito espectáculos de transformismo em algumas casas gay portuenses, vendia o corpo na Rua de Santa Catarina. Nani Petrova, um dos travestis mais antigos da cidade, lembra mesmo que "Gis" chegou a actuar em bares míticos como o Sindikato e o Bustos, mas "não fazia do show a vida profissional, era mais prostituição".
Todos assinalam a beleza de outros tempos e a sua cordialidade: "Era uma jóia, uma pessoa muito bonita, parecia uma rapariga autêntica, maravilhosa", descreve Petrova, que a conheceu há "uns vinte anos".
Também Raquel Moreira não esquece a beleza de Gisberta, entretanto destruída pela doença e pela toxicodependência. "Era uma mulher muito educada, muito dócil, diferente do que é normal encontrar na rua", diz. Gisberta era uma "pessoa informada sobre a realidade nacional e internacional", aproveitando os tempos que passava no Espaço Pessoa para ver os telejornais e comentar a actualidade com os técnicos e outros utentes.
À medida que a saúde se foi degradando, o cuidado com o corpo e o aspecto também definharam. A partir de 2003/2004 começou a recorrer ao centro "com mais regularidade, praticamente todos os dias, já muito frágil para trabalhar". "Tomava banho, comia alguma coisa, trocava de roupa e, sobretudo, estava connosco", acrescenta Raquel Moreira, que faz questão de vincar a "atitude até didáctica com as outras utentes, falando-lhes dos cuidados que deviam ter. Tinha carisma, até".
O último registo de Gisberta data de 4 de Fevereiro. "As coisas estavam a ficar complicadas em termos de saúde". Acorreu à Associação Abraço há cerca de três meses: "Apesar de estar indocumentada, conseguimos que o Hospital Joaquim Urbano [onde esteve 22 dias] a tratasse", explicou ao DN Andreia Ramos. Daí transitou para uma comunidade terapêutica em Setúbal, de onde fugiu uns dias antes do Natal. "A partir daí foi o descalabro. Estava muito debilitada, cheia de problemas de saúde. Tentámos minimizá-los, mas não fomos capazes", diz.
Gisberta estava fraca, sem forças nem moral para reagir a actos de violência. "Era uma estrangeira num país estrangeiro", lamenta a amiga e também transexual Rute Bianca. "

2.24.2006

Os valores do cidadão JMF

Agora vi que o famoso editorial termina assim:
"O facto de se poder discordar radicalmente de tal opinião será que autoriza a sua criminalização?Não, como não devia autorizar que a contestação do Holocausto fosse um crime ou que pudessem ser perseguidos na justiça os que praticam a blasfémia.
Nestas matérias, como em tantas outras, os clássicos ainda nos ajudam, e por isso valerá a pena citar Edmund Burke: "Não é o meu advogado que me diz o que posso fazer, mas o que o meu sentido de humanidade, de razão e de justiça me diz que devo fazer." Burke não precisava de leis, mas de valores. À falta de valores, nós vamos multiplicando as leis. Os resultados estão à vista."
Ó sr. Director, não seja falsamente ingénuo! O bom senso cartesiano sempre foi o bom senso DO DESCARTES, e não a coisa mais bem distribuída do mundo como ele dizia. Assim como os valores que o sr. reclama existem sim; não existem é só os seus! (olha que chatice, né?) E é por não existirem só os valores e as formas de vida dominantes que os tribunais têm de velar pela vida digna dos valores e formas de vida dominados.

Uso público da liberdade de expressão II

O post anterior inclui excertos do editorial de ontem do Público e excertos de comentários do seu autor, em declarações hoje ao Correio da Manhã.
De uma forma geral o que parece incomodar José Manuel Fernnades é que o espaço público, nomeadamente o mediático, esteja de facto e finalmente a ser palco de uma variedade de vozes, com posições diferentes da sua quanto à homossexualidade. Enquanto foram só posições como as suas as que se fizeram ouvir não existia a questão do alinhamento, ó Sr. Director? Tudo aquilo que o senhor escreveu sobre homossexualidade ao longo dos anos não configura também um alinhamento, uma descredibilização do seu jornal?
Ou vamos antes ser honestos e assumir que mais vale jornalistas e Directores que são claros quanto a determinadas opções políticas que fazem, em vez de esperarmos um jornalismo pseudo-neutro, falsamente "não-alinhado" com nada?
Por outro lado, não é por existirem uma diversidade de vozes que tudo está por si regulado, e que tudo o que se pode dizer tem a mesma gravidade ou leveza; já sem falar em responsabilidades acrescidas consoante o autor e o contexto social dos enunciados.
Continuam a existir vozes que não têm acesso ao espaço mediático - foi o sr. mesmo que considerou, por exemplo, que as associações homossexuais não deveriam ter acesso ao espaço mediático quando estão em causa e são publicadas questões sobre homossexuais, associações estas que não seriam legítimas utilizadoras duma voz...
E quanto aos graus diversos de gravidade daquilo que se pode expressar publicamente o editorial de José Manuel Fernandes confunde diversidade de opiniões com incitamento ao ódio. Uma coisa é, por motivos religiosos por exemplo, não concordar com a prática da homossexualidade, para si e para os seus, porque se quer salvar a sua alma.
Outra coisa, completamente diferente, é querer impedi-la nos outros e querer que o Estado e a sociedade exerça essa discriminação sobre eles (cada qual é que sabe se quer ou não seguir as regras de salvação duma dada Igreja - esta é uma questão de crença religiosa e não deve intrometer-se em discussões de direitos civis e públicos num Estado laico). É contra a liberdade dos outros e, indirectamente, incita à sua discriminação e perseguição - logo, ódio e violência.
Outra coisa ainda é associá-la a estigmas sociais e crimes (como o estigma de se dizer que a homossexualidade é doença; ou de se dizer que vem sempre associada ao crime de pedofilia, etc), o que incita ao ódio e à marginalização. É também completamente diferente. Mais grave ainda é fazê-lo em local público e tomando partido duma posição de influência junto da opinião pública (como por ex. um jornalista num jornal). E mais grave ainda se o faz em altura de alarme social (por ex., se a opinião pública está particularmente sensível ao hediondo da pedofilia).
Como se vê, existem ainda muitas assimetrias no uso e efeitos duma opinião publicamente expressa nas nossas sociedades, razão pela qual continua a ser necessário que os tribunais vigiem os incitamentos ao ódio, principalmente aqueles perpretados pelos socialmente fortes contra os socialmente fracos.

Uso público da liberdade de expressão I

A propósito da condenação de David Irving por um tribunal austríaco, o director do Público, José Manuel Fernandes, afirma que a sentença «demonstra que, em termos de liberdade de expressão, a única lei aceitável é não haver qualquer lei. Quando esta começa a ser regulada, cedo ou tarde se chega a estes disparates». Diz mais: «se David Irving tivesse negado o Holocausto em Portugal violaria o artigo 240 do Código Penal, no qual se estabelece uma pena de prisão até seis anos para os que injuriem qualquer grupo de pessoas, “nomeadamente através da negação de crimes de guerra ou contra a paz e a humanidade”. Claro que em Portugal ninguém se leva muito a sério e não há memória de ninguém ter sido perseguido por tais motivos [...] Felizmente que os nossos procuradores e juízes têm andado distraídos ou ocupados com outros assuntos, deixando que essas matérias sejam apenas discutidas publicamente, onde as opiniões se dividem e confrontam, o que é saudável.» E depois chega ao ponto: «É o caso do Bloco de Esquerda, cujos deputados, reunidos em jornadas parlamentares, pretendem acrescentar a estes artigos do Código Penal que nem deviam existir, mais alguns, estes destinados a combater o que designam como “ódio homofóbico”. Não se conhecem os termos exactos da proposta, mas a simples formulação do conceito permite que nos interroguemos se aquilo que podemos definir como uma opinião ou um julgamento moral — e refiro-me aos que defendem que a homossexualidade é imoral, por exemplo — passará ou não a cair na alçada da lei. O facto de se poder discordar radicalmente de tal opinião será que autoriza a sua criminalização?».
(retirado do blog Da Literatura, que transcreve parte do editorial de ontem do Público)
O director do ‘Público’ censurou, também, uma petição favorável ao casamento das lésbicas Teresa e Helena, facto que teve grande impacto mediático, já que o alinhamento do ‘DN’ colocaria em causa a credibilidade das notícias publicadas pelo jornal sobre o caso. António José Teixeira, director daquele matutino, disse que o artigo de opinião de José Manuel Fernandes não lhe “merece qualquer tipo de comentário”, pois tem “coisas mais sérias com que se preocupar”.
(Notícia Correio da Manhã de hoje, Nuno Tadeu)
“Independentemente da opinião que tenho sobre o casamento homossexual, a verdade é que entre o mau jornalismo do Expresso, o hábil agendamento mediático do caso (simpático) da Teresa e da Helena e as petições entregues na Assembleia e subscritas por jornalistas e directores de jornais (como fizeram a repórter que cobre estes temas no ‘Diário de Notícias’, assim como o seu director e um dos seus directores adjuntos), acabámos perante uma daquelas situações onde antes mesmo de se expor um argumento já se está catalogado e ninguém está disponível para ouvir”, pode ler-se no artigo de José Manuel Fernandes.
(Notícia Correio da Manhã de hoje, Nuno Tadeu)

O género que não diz o seu nome

A pessoa assassinada ontem chamava-se Gis e era uma trans M/F do Porto, conhecida em tempos pelos seus espectáculos de travesti. O silenciamento deste dado jornalístico é, só por si, uma morte dentro da morte. Foda-se, nem morta a Gis tem o seu nome. Foda-se, foda-se, foda-se!!!! Que raiva do meu país:(
Por outro lado, há outras coisas a pensar, relacionadas com o abandono em que vivia.
O emprego em espectáculo de travesti, drag, etc, devia ser mais estudado, respeitado, promovido e bem pago pelas comunidades homossexuais, nomeadamente pela indústria de restauração homossexual, que muitas vezes explora aquela que durante muitas décadas parecia ser uma das poucas possibilidades de emprego seguro para pessoas visivelmente transgénero. Devíamos ter a coragem de exigir dos nossos bares condições de trabalho e de contrato dignas para estes profissionais, assim como, ao Estado, a segurança social/reforma a que os artistas de teatro têm direito (nomeadamente muitos que nada descontaram e que hoje têm tratamento de excepção - não concordo totalmente com a excepção mas, a existir, que seja para todos).
Enfim, estamos de luto por bem mais do que a Gis...
Mas estamos de luto pela Gis. Gis. Gis. Gis. Gis. Gis...

Homofobia integrará lei geral anti-ódio

Ódio homofóbico deve agravar crimes
Fernanda Câncio
O coordenador da Unidade de Missão para a Reforma Penal, Rui Pereira, admite que o ódio aos homossexuais, ou homofobia, poderá, no âmbito da actual revisão do Código Penal (CP), integrar o elenco de circunstâncias que agravam os crimes. Nesse elenco, que está tipificado no artigo 132.º do CP (homicídio qualificado) mas é extensivo a outros crimes - como o de ofensas à integridade física -, contam-se, entre outras circunstâncias que revelam "especial perversidade e censurabilidade" de um crime, as motivações de ódio racial, religioso ou político. Estão já, de acordo com Rui Pereira, decididas algumas alterações ao elenco - nomeadamente, a inclusão no mesmo da existência de "uma relação conjugal ou análoga" entre o agressor e a vítima. "Poderá fazer sentido, neste quadro, acrescentar também o ódio contra os homossexuais", diz o jurista, que adianta ir propor essa discussão. Considera, no entanto, que é já possível aos tribunais qualificar um crime nessa base, "porque a enunciação de agravantes que existe é apenas exemplificativa."A inclusão da homofobia no elenco das agravantes é defendida pelo BE desde o início de 2005, quando foi noticiada a existência de uma "milícia" anti-homossexual em Viseu. A proposta ainda não foi formalizada, mas a deputada Ana Drago assegura que a mesma "faz parte do nosso projecto de alteração do CP". A reivindicação das associações LGBT (Lésbicas, Gays, Bissexuais e Transgéneros) no sentido da criação de um "crime de ódio" que agrave os actos criminosos com motivações em determinados preconceitos, como a homofobia, poderá assim ser parcialmente satisfeita. A inclusão dos ódios racial e religioso no elenco de agravantes data logo da primeira formulação do CP pós-25 de Abril (1982). O "ódio político" foi acrescentado em 1995.
(DN de hoje)

2.23.2006

Homo e transfobia mata e mói em Portugal

Perante estas duas notícias, para quando uma legislação anti-ódio que inclua especificamente actos homofóbicos e transfóbicos? Quantas mais mortes e vidas violentadas?

"No Porto
Adolescentes suspeitos de terem morto travesti à pancada


Um grupo de 12 jovens, entre os 10 e os 16 anos, internos das Oficinas de S. José, no Porto, é suspeito de ter espancado até à morte um travesti, sem-abrigo e toxicodependente.

O cadáver do homem, com cerca de 35 anos, foi encontrado num fosso com cerca de dez metros de profundidade no piso subterrâneo de um parque de estacionamento na Avenida Fernão de Magalhães, no Porto.

O crime, que está a ser investigado pela Polícia Judiciária (PJ), terá sido alegadamente cometido no último fim-de-semana, mas o corpo da vítima só foi encontrado quarta-feira.

Segundo o Jornal de Notícias, a PJ já identificou os rapazes, que serão hoje ouvidos no Tribunal de Família e Menores do Porto.

O jornal noticiou igualmente que os suspeitos são internos das Oficinas de São José - instituição que acolhe crianças e jovens em risco - conheciam o travesti e costumavam provocá-lo. Um dos jovens terá confessado o crime a um dos seus professores.

O cadáver, com sinais de decomposição que indiciavam que a morte ocorreu há dois ou três dias, foi retirado pelos mergulhadores dos Sapadores Bombeiros do Porto num fosso com vários metros cúbicos de água.

Ainda de acordo com o JN, os jovens que agrediram a vítima só se aperceberam que o homem tinha morrido quando voltaram ao local do espancamento, alguns dias depois.

Os menores foram ouvidos quarta-feira pela PJ do Porto e terão alegado que não tinham intenção de matar o travesti. "
DN de hoje:
"Teresa Pires e Helena Paixão, que a 1 de Fevereiro apresentaram um pedido de casamento civil na 7.ª Conservatória de Lisboa, queixaram-se ontem à GNR de terem sido injuriadas pelos vizinhos com quem partilham um prédio em Oiã (perto de Aveiro).
Em causa está uma troca de palavras ocorrida a 16 de Fevereiro. "Estávamos em casa a fazer o jantar, bateram-nos à porta e estava toda a gente do prédio no patamar, com crianças e tudo. Começaram a acusar-nos de fazermos muito barulho durante a noite, puseram em causa a nossa capacidade de termos uma criança connosco, disseram que tinha sido uma vergonha aparecermos na televisão... E chegaram a ameaçar bater-nos."
Convictas de que a acção dos vizinhos se deve a homofobia ("Vivemos aqui há sete meses e só agora é que se lembravam de nos vir dizer que fazemos barulho? Só podemos interpretar isso como consequência da nossa tentativa de casar"), as duas mulheres resolveram, a conselho do advogado que as representa no processo de casamento, ir à polícia. "A nossa ideia era fazer queixa de difamação e ameaças, mas disseram-nos que nesta situação era de 'injúrias' que se tratava."
Apesar de assumirem a interpelação colectiva ocorrida na passada quinta-feira, os vizinhos do casal contactados pelo DN negam qualquer intuito discriminatório. "O que se passa é que elas fazem muito barulho durante a noite e há quem não consiga dormir". Sobre o tipo de ruído, os relatos dividem-se. Uns falam de "música", outros de transportes amorosos: "Aquilo parece o canal Playboy". Há até quem assuma nunca ter ouvido nada de especial, mas estar solidário com os que ouvem. "Elas já foram avisadas antes, até já as ameaçámos com a polícia..."
Ao longo da conversa, porém, alguns concretizam outros agravos: "Elas são muito escandalosas, não se privam de nada. Sempre de mão dada, aos beijos...". Há até quem lance suspeitas: "Recebem muitos homens... Houve quem visse o número de telefone delas num jornal da região, a anunciar um show lésbico". Qual jornal não se concretiza. Mas a "má fama" que as duas teriam deixado "noutros sítios onde viveram" é garantida por fonte segura: "Leia o artigo de um padre num jornal da região" (ver caixa).
Elogios, só para a filha de Helena, que vive com o casal: "É uma menina muito educada. E vive a situação com grande naturalidade, chama mães às duas...". Desempregadas e em situação económica difícil, Teresa e Helena revoltam-se com as acusações. "Acha que podíamos ser 'meninas de serviço' com uma criança em casa? Por amor de Deus! E dívidas, só temos a das rendas que devemos ao senhorio, mais nada." Conclusão? "Isto não dá. Temos é de sair desta terra."

Homofobia institucional ao mais alto nível

ECOSOC unfairly dismisses ILGA and LBL
ECOSOC dismisses two LGBT organizations without fair hearing!
25/01/2006
United States
North America

Ecosoc Meeting

ILGA Press Release 25 January 2006

In an unprecedented move, the Economic and Social Council dismissed the applications of the International Lesbian and Gay Association (ILGA) and the Danish Association of Gays and Lesbians (LBL*) for observer Status at the United Nations this Monday January 23 2006. For the first time in its history, the ECOSOC dismissed summarily the application of an NGO without the hearings accorded to other applicants.

“It is a clear violation of due process and an attempt to discriminate against LGBT NGOs on procedural grounds” says Rosanna Flamer Caldera, Co-secretary General of ILGA, a worldwide network of over 400 lesbian, gay, bisexual and transgender groups.

Both ILGA and LBL were made to go through a stringent process in anticipation of a hearing with the NGO committee. However, in a move influenced by Egypt and the Organization of Islamic Conferences (OIC) the two organizations were arbitrarily dismissed in a joint motion put to the NGO committee by Iran, Sudan and their newest ally, the United States. The United States had, in the past, voted favourably for ILGA in 2002. In this instance the Bush Administration found fit to vote alongside countries they have considered international pariahs in all other contexts to deny LGBT people a voice at the UN - a right given to any other category of NGO.

Vote to summarily dismiss the applications of ILGA and LBL was as follows:
Yes: Cameroon, China, Cuba, Iran, Pakistan, Russian Federation, Senegal, Sudan, United States of America, Zimbabwe. No: Chile, France, Germany, Peru, Romania; Abstention: Colombia, India, Turkey. Not present: Ivory Coast.

“This is again a clear attempt to silence the voices of gays, lesbians, bisexual and transgender people at the United Nations” says Kursad Kahramanoglu, Co-secretary General of ILGA. “The issue, we as people, will not go away: we will push for this unprecedented action to be reconsidered at the full ECOSOC”.

ILGA’s next world conference to be held in Geneva (March 27 – April 3 2006) simultaneously to the United Nations Commission on Human Rights will be an occasion to protest this injustice and ensure the stealth tactics of Egypt, Iran and Sudan and other countries known for their horrendous Human Rights records do not go unnoticed. ILGA will not allow this issue to be pushed off the agenda in order that countries can continue to persecute and discriminate against their LGBT citizens without answering to anyone.

ILGA will fight this latest setback. It will continue to defend the rights of LGBT persons worldwide and it will continue to ask the United Nations to consider the rights of all persons regardless of their sexual orientation and gender identity.

ILGA wishes to thank the German Foreign Office, the Danish Foreign Office, Human Rights Watch and Amnesty International** for their support in this issue and calls on Human Rights Defenders everywhere to fight for the non discriminatory treatment of all LGBT NGOs who have just as much right to be at the UN as others.

*Landsforeningen for Bosser og Lesbiske

**ILGA would also like to thank the following NGOs as well as LGBT groups worldwide for their support:
Action Canada for Population and Development, Amnesty International, Arc International, Global Rights, Human Rights Watch, International Gay and Lesbian Human Rights Commission, International Service for Human Rights, Rights Australia, National Gay and Lesbian Task Force.
(notícia da Ilga World)
Eis um bom exemplo de como, sem mecanismos de promoção da diversidade anti-discriminatórios, até os procedimentos de organizações internacionais de direitos humanos se deixam homofobizar tranquilamente...

Des-sexualização lésbica

Beatriz Gimeno acaba de publicar o seu primeiro ensaio, “Historia y Análisis Político del Lesbianismo. La liberación de una generación".
Eis alguns fragmentos divulgados:
"Yo escogí ser lesbiana y viví mi lesbianismo como una liberación personal. Hacerme lesbiana me hizo más libre y me gustaría que muchas mujeres supieran que esta posibilidad existe y está abierta para cualquiera."
"Nuestro lesbianismo no es vivido como una orientación sexual, esencial e inmodificable, sino como una opción personal y política."
"Muchas mujeres a lo largo de la historia han sido desleales a la civilización patriarcal, muchas mujeres se han resistido a ser metidas a la fuerza en esa categoría opresiva de "mujer" y han luchado por poder construirse un destino y un estilo de vida que les permitiera poder sentirse seres humanos, y a muchas de esas mujeres hoy las llamaríamos lesbianas."
"La pregunta "¿Dónde están las lesbianas?" exige, en mi opinión, una respuesta política. Son muchas las historiadoras feministas que han rastreado la historia en busca de lesbianas. Para ello han tenido que manejar un concepto amplio de lesbianismo, entender éste como un lugar social y político en el que el interés sexual por otra mujer no puede ser el único criterio para poder definir a una mujer como lesbiana."
"La pregunta es la siguiente: ¿Es posible para las mujeres escoger su objeto del deseo de manera que éste corresponda con lo que es una opción política y vital? Es posible y vamos a intentar explicarlo."
Gimeno pretende aprofundar teoricamente o lesbianismo em Espanha, o que é muito louvável. No entanto, com esta teoria do lesbianismo como opção política possível para todas as mulheres, e não político-sexual (des-sexualizando o lesbianismo das lésbicas, portanto), não andará muito para a frente... É o risco de visões excessivamente universalizantes. De facto, explicita apenas um lesbianismo político datado; eventualmente, como diz o título, o de algumas lésbicas espanholas da sua geração (porque, do ponto de vista anglo-saxão, é bem mais anterior).

Ofensiva anti-queer

Como bons estrategas os teólogos católicos conhecem bem o inimigo e sabem que a questão da diferença sexual é central na manutenção do patriarcado heteronormativo - daí tanta preocupação com ela:
Vaticano organiza congresso que analisa homossexualidade
EFE
Cidade do Vaticano - Começa nesta segunda-feira, em Roma, um seminário organizado pelo Instituto Pontifício João Paulo II para Estudos sobre o Matrimônio e a Família cujos temas centrais são homossexualidade e diferença de gêneros. O congresso, que terá a participação de experts de várias áreas, "analisará os risco que derivam da negação da diferença sexual", assinala a programação do evento, que será realizado a portas fechadas.
O seminário parte da prerrogativa, explicitada pelos organizadores, de que "em nome de uma igualdade abstrata, nossa sociedade pretende converter em equivalentes toda as posições humanas, inclusive considerar a homossexualidade como algo normal".
Entre outras coisas, o congresso discutirá a temática da identidade sexual, as relações homem-mulher, a diferença entre identidade de gênero e inclinações sexuais e a "importância fundamental para as crianças de uma polaridade homem-mulher entre seus progenitores".
Segundo os organizadores, o objetivo é "ir além da ideologia gay". Para a entidade responsável pela realização do evento, a homossexualidade é "uma alteração da identidade sexual" que não chega a ser uma enfermidade, mas sim uma "perturbação de personalidade".
Na primeira jornada do estudo serão analisados os "aspectos psicológicos e sociais da homossexualidade". As reivindicações dos grupos que lutam pelos direitos da comunidade gay, como o matrimônio e a adoção de crianças, devem ser rechaçadas.
(notícia brasileira)

2.17.2006

Comentário desaparecido

Recebi no mail um comentário não identificado duma pessoa que aparentemente me conhece, que é professora de Filosofia como eu. Não sei porque é que o comentário não aparece aqui. Bem, era para retribuir os cumprimentos dessa pessoa e, quanto à pergunta "Qd voltas?" a resposta é seguramente "nunca." A não ser que o país mude muito. A não ser que aconteça uma grande infelicidade aos meus que os torne muito dependentes. A não ser que eu própria me torne muito dependente:) Resumindo: pela minha vontade e dentro da sorte: nunca. Um abraço

2.15.2006

A solidão rural

Nem de propósito após a minha conversa com a Grace há alguns posts é agora começado a divulgar o estudo da Não Te Prives (que fez anos, parabéns!) e do Portugal Gay sobre homossexualidade em meios rurais, apontando, segundo dizem, para forte solidão.
É claro que, quer no meu caso quer no da Grace, há sempre o contraponto das pequenas e grandes cidades, no caso a Feira, Espinho e o Porto - mas não é a mesma coisa que viver lá...
E a suburbanidade rural também nada tem a ver com a suburbanidade citadina....

2.14.2006

Múltiplos géneros

Para quem tem dúvidas, eis uma lista curiosa.

O tradicional surfar por aí:)

Hoje vou recomendar-lhes duas magníficas distrações: New Art e O Melhor Anjo.

2.13.2006

Cartoons, liberdade de expressão, ofensas

Pois, a liberdade de expressão é o fundamental. E a luta entre opiniões divergentes no espaço público, e blá, blá, blá, e viva Habermas...
Pois eu, daqui da perspectiva duma comunidade, a homossexual, que tem sido alvo de expressões públicas, nomeadamente nos media, altamente ofensivas, pergunto a esses senhores:
1) está garantido o acesso a esse espaço público para todos de igual forma?
2) não está, e por vezes, tal é o desíquilibrio de poderes num dado momento histórico, que ele está mesmo vedado, e é impossível conseguir uma voz para contrapor o que quer que seja - veja-se as dificuldades por vezes em conseguir direito de resposta nos media, nomeadamente na voz dos próprios ofendidos... (ex: aquando da associação entre homossexualidade e pedofilia de César das Neves o DN considerou que não tinha que dar voz à Opus Gay ou a ninguém a título individual porque não tinham sido visados...)
3) a solução da transposição das diferenças para um conflito jurídico deve ser das últimas e, por vezes, nem aí se consegue voz, de tal forma o próprio sistema é ele próprio fóbico dessa comunidade (veja-se como a Opus Gay não foi aceite como acusadora de César das Neves e agora tentam fazê-lo comigo, enquanto cidadã individual...provavelmente também com a desculpa de que não são directamente visados - uma noção bem estreita do "directamente" quando as tais pessoas que não são supostamente "directamente" visadas sofrem imediatamente repercurssões na sua vida pública, familiar e profissional dessas ofensas...)
4) já a resposta violenta então, é totalmente despropositada e impensável - mas é preciso assumir que temos sido parcos no desenvolvimento das condições de acesso equilibrado ao espaço público de muitos (o que não me parece o caso dos islamistas moderados, que podem perfeitamente intervir; aliás, os Governos desejam encarecidamente que intervenham. Ou seja, também não me parece que o islamismo fundamentalista pretenda simplesmente aceder ao espaço público; pretendem de facto atacar os seus valores fundamentais, o que é inadmissível)
5) por fim, Freitas do Amaral tem razão numa coisa: "Biba o conbíbio"! Porque não há nada como testemunhar a vida dos Outros para nos apercebermos de que não são assim tão Outros. Mas, enquanto não há convívio suficiente, é preciso humildade na avaliação das virtudes e defeitos do nosso espaço público.

Pessoal lá da terrinha:)

Noutro dia constatei admirada que há gente a espreitar aqui da Feira, de Moselos, de Esmoriz... Gente da minha terrinha, em suma - eh, pá, digam qualquer coisinha:)
Por outro lado, no Y do Público vinha uma entrevista a um tipo indie de Argoncilhe! As terreolas de Aveiro estão a ficar no mapa, carago!:)

2.10.2006

Uffff!

1) sorte, sorte, vão publicar a minha apresentação do Porto na APEM na revista ex aequo
2) aleluia, aleluia, está feito o artigo para a RCCS (de Coimbra) à volta do feminismo e lesbianismo queer; deu-me imenso gozo e foi um "vaip" que me deu - depois de já ter uma leitura queer da filosofia política do reconhecimento (bah! para Habermas), acabei por deitar a mão a este em dois dias - e gosto
3) lá conheci a Teresa e a Lena e lá continuo a tentar ajudar, agradecida
4) a minha mãe lá me chateou por eu ter dado a cara de fugida na Conservatória e o meu mano lá ligou satisfeito - satisfeita fiquei eu por saber que o sobrinho que vem aí é um menino! Depois da Maria, lá se compõe a diferença sexual:))
5) César das Neves recorreu da minha legitimidade para o processar - com jeitinho, com jeitinho, neste país, associa-se a homossexualidade a um crime, a pedofilia, e ninguém pode acusar a difamação (a Opus Gay foi considerada ilegítima logo na primeira instância) - era o que faltava!
6) vi o Brokeback (um stress emocional:) e o Munique (a importância dos sentimentos comunitários e a da dívida histórica não só a ideias dos nossos como aos seus gestos)
7) repeguei o Cunningham - aquelas personagens são um assombro
8) já não sei quantas reuniões da Assoc. de Moradores tive por estes dias...
9) e quanto ao andamento desta coisa do casamento já sabem o que penso
... e já me esquecia: lá vi mais um episódio do L Word - se bem que, para ver aquela de vestido, vou ali e já volto...

O segredo do medo em Brokeback Mountain

Fui ontem ver o filme. É lindo, é verdade. Mas triste, muito triste. Triste porque retrata a infelicidade resultante do medo e da homofobia, principalmente da interiorizada. E isso para mim é uma tristeza demasiado próxima da minha vida para que eu aprecie realmente o filme, em vez de me sentir atropelada por ele, com a garganta embargada e a cabeça a doer.
Reconheço que é muito bom para a opinião pública em geral, para que sintam um pouco mais as consequências pessoais e afectivas do medo na destruição de amores e vidas. Para mim, é demais.

2.08.2006

Os socialistas e os outros

No momento em que a JS lá se consensualizou à volta dum ante-projecto (e não dum projecto) de lei (portanto, mais aberto a contribuições) e adiou uma semana a sua apresentação, vão-se somando as vozes de eminentes barões socialistas que desdramatizam toda esta história e são favoráveis, o Governo insiste na questão do "ainda não" ( com o estafado argumento de que "há problemas mais importantes"), mas ninguém realmente se afirma contra, à excepção da secção do Partido Humanista. Vamos lá a ver se o Governo está à altura das suas próprias bases... e barões.
Do lado da CDU o silêncio, nesta altura já vergonhoso (afinal não contribuem em nada para o debate) - espera-se uma posição clara para breve, meus senhores!
Nos media, vai havendo surpresas discretas- que mostram que, como tenho dito, os portugueses moderados e sensatos estão connosco.

2.07.2006

Com inimigos assim temos muitos e bons amigos:)

Não há qualquer problema que as vozes que se façam ouvir contra o casamento civil (que nada tem a ver com matrimónio) por homossexuais sejam as que são habitualmente, mesmo quando são outras as questões em discussão, fundamentalistas cristãs, ou machistas, ou dum humanismo bacoco. Isso só mostra que as nossas posições podem perfeitamente e pacificamente ser defendidas por um cristianismo progressista, ou por um feminismo, ou por um humanismo contemporâneo; ou seja, pela maior parte dos habituais actores políticos, sem que isso represente, conforme bem salientou Jorge Coelho, nada de excepcional, ou questão particularmente saliente. Trata-se apenas de actualizar (resolvendo contradições jurídicas internas) um Estado de direito humanista, cristão e anti-patriarcal - simples, não?

2.05.2006

E venha tudo para todos!

Portugal é o país que já tem esta fantástica lei da economia comum, que permite direitos habitualmente de família a pessoas que cohabitem, mesmo que sejam mais do que duas (ai, a poligamia!), sem lhes fazer qualquer pergunta, ou pressupor seja o que for, quanto à relação afectiva entre todos.
E, quando as uniões de facto foram aprovadas, exactamente ao mesmo tempo que esta lei da economia comum, foram-no para todos os que as preferissem.
Assim, também o casamento deve estar aberto a todos os que o prefiram. Assim como uma união de facto com direitos mais alargados dos que os actualmente existentes, como vem agora o CDS/PP salvaguardar.
O Estado deve oferecer um menu variado de contratos possíveis a TODOS os seus cidadãos, não podendo nenhuma instituição legal ser só para uns (o problema da união de facto inglesa, a que os media chamaram casamento, é que é só para homossexuais... Para os hetero há o casamento - é o total apartheid jurídico!).
E não me venham dizer que o Estado não deve legislar relações afectivas. É um facto que deve fazê-lo o menos possível. Mas, quando vivemos em sociedades em que a propriedade privada é sagrada, resta perguntar: quem fica com a casa?
Eventualmente pode o Estado permitir que não seja necessariamente a pessoa ou pessoas que estão mais próximas do lugar tradicional do marido ou mulher, se não tiverem estabelecido entre si regime de comunhão de adquiridos; mas, seja quem for, será sempre alguém da eleição afectiva do proprietário...
Uma observação final: a poligamia é um regime sexista, habitualmente machista, ou seja, só a um dos sexos é permitida. Ninguém a reclama, ninguém a quer, todos somos contra ela!

Há coisas mais importantes, pá!

Cap.1
Teresa e Lena chegam lá acima e batem à porta do Estado.
- Muito boa tarde. Olhe, nós gostaríamos de poder casar porque sabe, nós temos dificuldade em arranjar e manter emprego porque não respeitam a visibilidade da nossa relação...
E diz o Marques Mendes:
- Sabe, há coisas muito mais importantes para Portugal (= para mim, para a maioria heterosexual, para a maioria heteronormativa?)? Eu não consigo resolver e pensar em mais do que uma coisa ao mesmo tempo...
Cap.2
Teresa e Lena chegam lá acima e batem à porta do Estado.
- Muito boa tarde. Olhe, nós gostaríamos de poder casar porque sabe, foi-nos retirada uma das nossas filhas alegadamente por imoralidade por sermos lésbicas. Talvez assim a pudessemos ter de volta...
E diz o Marques Mendes:
- Sabe, há coisas muito mais importantes para Portugal (= para mim, para a maioria heterosexual, para a maioria heteronormativa?)? Eu não consigo resolver e pensar em mais do que uma coisa ao mesmo tempo...
Cap.3
Teresa e Lena chegam lá acima e batem à porta do Estado.
- Ah, desculpe, nós gostaríamos de poder casar para exigir o respeito das nossas famílias, dos nossos vizinhos e dos nossos patrões...
E diz o Marques Mendes:
- Sabe, há coisas muito mais importantes para Portugal (= para mim, para a maioria heterosexual, para a maioria heteronormativa?)? Eu não consigo resolver e pensar em mais do que uma coisa ao mesmo tempo...
Cap.4
Teresa e Lena chegam lá acima e batem à porta do Estado.
- Ah, desculpe, nós gostaríamos de poder casar para podermos ser um sinal de que Portugal não admite mais que por andarmos na rua de mão dada, seja onde seja, possamos ser insultadas, agredidas...
E diz o Marques Mendes:
- Sabe, há coisas muito mais importantes para Portugal (= para mim, para a maioria heterosexual, para a maioria heteronormativa?)? Eu não consigo resolver e pensar em mais do que uma coisa ao mesmo tempo...
(and so on, and so on...)

2.02.2006

Agradecer e ajudar

É do conhecimento público que a Teresa e a Lena estão desempregadas. É do conhecimento público que grande parte das raízes dessa situação estão na discriminação e preconceito de que são alvo.
Não é do conhecimento público, nem tem que ser, todas as consequências negativas que este desemprego, e agora a coragem desta exposição mediática, têm e continuarão a ter nas suas vidas.
Como forma de agradecimento pela sua coragem e em manifestação de solidariedade nesta fase difícil, mas feliz, da vida delas, e depois de confirmada a seriedade da proposta, alio-me à seguinte inicativa:
"Exmos. Srs.:
Um grupo de cidadãos, sensibilizados com a coragem da Teresa e da Lena, e preocupados com os efeitos possíveis da discriminação na sua actual e futura situação financeira (sabemos, por ex., que estão desempregadas), decidiram abrir uma CONTA DE SOLIDARIEDADE E CORAGEM, em nome de ambas, no balcão do Marquês de Pombal da CGD, com o seguinte NIB:
003501370000437830075
Agradecemos a divulgação deste esforço solidário"
Vá lá, toca a ajudar. Eu por mim tenciono dar um empurrãozinho hoje mesmo e uma ajudinha continuada durante uns tempos. Não custa nada e elas merecem!

É inconstitucional mesmo!

O artigo do Código Civil que restringe o casamento a pessoas de sexo diferente é mesmo inconstitucional e pode cair hoje mesmo.
Eis um excerto da notícia de Fernanda Câncio hoje no DN:
"De acordo com o advogado de Teresa e Helena, ocorrerá a entrega de um requerimento já assinado, que deverá ser aceite pelo conservador. Dentro de poucos dias, este exarará um despacho, positivo ou negativo, sobre a capacidade matrimonial das nubentes. Que, para os conservadores consultados pelo DN, só pode ser de recusa, independentemente da opinião que o colega em causa tenha do encontro entre Constituição e Código Civil "Não nos cabe interpretar a Constituição. Temos de aplicar é o Código Civil, tal como está."
Uma asserção em relação à qual o especialista de Direito de Família Carlos Pamplona Côrte-Real, professor na Faculdade Direito da Universidade Clássica de Lisboa, manifesta o seu desacordo "Estando as autoridades públicas e privadas vinculadas, como diz o artigo 18.º da Constituição, a cumprir a lei fundamental, qualquer conservador pode e deve celebrar um casamento entre pessoas do mesmo sexo."
Pamplona Côrte-Real não só considera inconstitucional o artigo 1577 do Código Civil como não vê "motivo algum", em todo o restante articulado correspondente no dito Código ao matrimónio, para que este não se celebre entre pessoas do mesmo sexo. "Para se justificar essa interdição, é costume relacionar-se o casamento com a procriação. Sucede que nada na lei impede o casamento de duas pessoas inférteis, ou de pessoas com 80 anos. Existe até o casamento in articulo mortis - o celebrado com urgência quando um dos nubentes está à morte." E ironiza "Nada impede, aliás, o casamento de dois homossexuais - desde que de sexo diferente." Na verdade, frisa, o casamento não pressupõe sequer a existência de relações sexuais ou a coabitação.
Jorge Pinheiro, outro perito em Direito de Família da mesma Universidade, é menos assertivo que o colega, mas inclina-se no mesmo sentido. "Não tomo uma posição tão firme quanto à inconstitucionalidade do artigo 1577, ainda não pensei o suficiente no assunto. Mas atendendo a que a reforma de 1977 do Código acabou com a obrigação de procriação - até aí o uso de anticoncepcionais era motivo de divórcio - nada há que o impeça entre pessoas do mesmo sexo." Quanto à ideia de "constituição de família", geralmente associada ao casamento, também não colherá, do ponto de vista de Pinheiro "Duas pessoas casadas já são uma família". A raiz do problema estará, afinal, no facto de "o regime do casamento civil imitar o regime do casamento católico. O Estado apropriou-se do conceito, mas ao longo do tempo foi-se afastando dele".
Quanto aos constitucionalistas, se existem aqueles que, como o assessor do Tribunal Constitucional José Manuel Vila Longa, consideram "ser muito difícil ou mesmo impossível defender, em termos jurídicos, a constitucionalidade do artigo 1577 do Código Civil", há outros, como Rui Medeiros, da Universidade Católica, a considerar que "da própria garantia constitucional do matrimonio resultam limites, como o da poligamia e do casamento entre pessoas do mesmo sexo". Para este jurista, não se pode pretender que a lei fundamental ignore "os princípios estruturantes do casamento na ordem jurídica portuguesa, entre os quais dificilmente se pode deixar de encontrar a exigência da diferença de sexo entre cônjuges". Isto porque "a Constituição deve albergar aquilo que a comunidade no seu todo considera valores partilhados", ou seja, "a sensibilidade social" de um povo.
Um argumento que o advogado de Teresa e Helena considera "muito perigoso" "Será que quando se aboliu a escravatura se teve em conta o sentir da maioria da população, ou se quis evoluir numa perspectiva humanista, de Direito e de Justiça?" "
E, ainda da Fernanda Câncio, vão espreitar aqui uma pérola do jornalismo português...

2.01.2006

Já todos perceberam que sim

Já todos perceberam que, juridicamente, não há escapatória possível quanto ao facto de que as leis terão de ser cumpridas e que o casamento homossexual será possível em Portugal a muito curto prazo.
Sabendo disso, e temendo uma possível interpretação do Conservador da Conservatória que fosse favorável ao casamento, o ministro António Costa proferiu a seguinte declaração: «Os conservadores não podem deixar de aplicar as leis vigentes no país, só os tribunais as podem interpretar».
Ora, Sr. Ministro, o senhor e eu não somos ingénuos da justiça; o senhor sabe perfeitamente que os textos legais são interpretáveis por todos os seus agentes e que não são necessariamente para ser lidos à letra. Assim sendo, está com medo de quê? Do PS ser ultrapassado na sua cobardia política e na sua ilegalidade por um simples Conservador cumpridor da lei?...

O casamento, o Bloco e os outros

O Bloco assumiu hoje a questão do casamento. Muito bem. Estão criadas as condições sociais e jurídicas para avançar. Politicamente estão criadas as condições para clarificação dos partidos, principalmente depois de grande maioria ter votado a modificação do 13º.
Depois de ouvir na TSF o PS a dizer que continua a achar que a questão não é urgente e que não será apresentada - ou seja, a dizer, não importa o que diz a Constituição, não importa o que sofrem as pessoas, nós não queremos saber! Só quereremos saber se o Tribunal Constitucional nos obrigar...- é revigorante existirem partidos mais atentos.
Muitas palmas também para a Odete Santos, que subscreve a petição da Ilga, e que tem apenas que se esforçar mais para que a CDU seja mais clara sobre este assunto - se é preciso debate na sociedade, como afirma e bem, é agora que ele acontece - participem nele pedagogicamente e com clareza! Não vale vir dizer, Drª Odete, que não podem haver mudanças hoje, quando o debate não foi ainda terminado e quando a CDU não participou claramente nele.
Por fim, é claro que os juristas homófobos, como Jorge Miranda, querem inventar delimitações para o 13º, com base num suposto entendimento heterosexual da família feito pela Constituição. ora, no post anterior vê-se claramente que isso é falso!

Afinal, o que diz a Constituição?

Além do Artº 13º, que proíbe qualquer discriminação com base na orientação sexual, que mais diz a Constituição sobre a família?
Artigo 36º(Família, casamento e filiação)
1. Todos têm o direito de constituir família e de contrair casamento em condições de plena igualdade.
2. A lei regula os requisitos e os efeitos do casamento e da sua dissolução, por morte ou divórcio, independentemente da forma de celebração.
3. Os cônjuges têm iguais direitos e deveres quanto à capacidade civil e política e à manutenção e educação dos filhos.
4. Os filhos nascidos fora do casamento não podem, por esse motivo, ser objecto de qualquer discriminação e a lei ou as repartições oficiais não podem usar designações discriminatórias relativas à filiação.
5. Os pais têm o direito e o dever de educação e manutenção dos filhos.
6. Os filhos não podem ser separados dos pais, salvo quando estes não cumpram os seus deveres fundamentais para com eles e sempre mediante decisão judicial.
7. A adopção é regulada e protegida nos termos da lei, a qual deve estabelecer formas céleres para a respectiva tramitação.
Artigo 67.º(Família)
1. A família, como elemento fundamental da sociedade, tem direito à protecção da sociedade e do Estado e à efectivação de todas as condições que permitam a realização pessoal dos seus membros.
2. Incumbe, designadamente, ao Estado para protecção da família:
a) Promover a independência social e económica dos agregados familiares;
b) Promover a criação e garantir o acesso a uma rede nacional de creches e de outros equipamentos sociais de apoio à família, bem como uma política de terceira idade;
c) Cooperar com os pais na educação dos filhos;
d) Garantir, no respeito da liberdade individual, o direito ao planeamento familiar, promovendo a informação e o acesso aos métodos e aos meios que o assegurem, e organizar as estruturas jurídicas e técnicas que permitam o exercício de uma maternidade e paternidade conscientes;
e) Regulamentar a procriação assistida, em termos que salvaguardem a dignidade da pessoa humana;
f) Regular os impostos e os benefícios sociais, de harmonia com os encargos familiares;
g) Definir, ouvidas as associações representativas das famílias, e executar uma política de família com carácter global e integrado.
OU SEJA, NADA NA CONSTITUIÇÃO DIZ QUE O CASAMENTO DEVE SER HETEROSEXUAL - como alguns andam agora a tentar ler.
Além disso, quem são os cobardolas que já podiam estar a requerer a inconstitucionalidade do artigo do Código Civil que apenas permite o casamento homossexual?
Artigo 281.º(Fiscalização abstracta da constitucionalidade e da legalidade)
1. O Tribunal Constitucional aprecia e declara, com força obrigatória geral:
a) A inconstitucionalidade de quaisquer normas;
b) A ilegalidade de quaisquer normas constantes de acto legislativo com fundamento em violação de lei com valor reforçado;
c) A ilegalidade de quaisquer normas constantes de diploma regional, com fundamento em violação do estatuto da região autónoma;
d) A ilegalidade de quaisquer normas constantes de diploma emanado dos órgãos de soberania com fundamento em violação dos direitos de uma região consagrados no seu estatuto.
2. Podem requerer ao Tribunal Constitucional a declaração de inconstitucionalidade ou de ilegalidade, com força obrigatória geral:
a) O Presidente da República;
b) O Presidente da Assembleia da República;
c) O Primeiro-Ministro;
d) O Provedor de Justiça;
e) O Procurador-Geral da República;
f) Um décimo dos Deputados à Assembleia da República;
Portanto, além do Governo, temos contas a pedir à falta de coragem política de muita gente...